terça-feira, 21 de abril de 2009

Curva do destino

O film noir teve sua época áurea em Hollywood entre as décadas de 30 e 50. Nesse período, algumas produções entraram para a história não apenas como clássicos do gênero, mas do próprio cinema: O falcão maltês (John Huston, 1941), Gilda (Charles Vidor, 1946) e A dama de Shanghai (Orson Welles, 1948). No entanto, estes três exemplares constituem exceções em um universo no qual predominavam as produções B, rodadas com baixo orçamento, elenco secundário e geralmente em curtíssimo espaço de tempo. Neste sentido, uma das obras-primas do gênero e da época é um filme pouco conhecido, mas que conquistou, ao longo dos anos, a condição de cult movie: Curva do destino.

“Detour” (“desvio”, no título original) é um dos mais interessantes filmes do gênero noir feitos em Hollywood e o tempo não apagou sua força nem fez diminuir seu impacto a quem o assiste pela primeira vez – e mesmo para quem o revê. Todos os elementos típicos do film noir estão lá: a narrativa em off e em flashback, contada pelo personagem principal; o pobre-diabo sem perspectivas que será vítima do destino dentro do tempo devido; o crime acontecido num lance de fatalidade; a mulher fatal; os ambientes opressivos realçados pela fotografia expressionista (não esquecendo que o termo “film noir” surgiu na França e se referia basicamente ao jogo de luzes claro-escuro). Todos habilmente trabalhados e bastante eficientes dentro de suas propostas dramáticas.

A história começa quando Al Roberts (Tom Neal) chega a uma lanchonete de beira de estrada e, a partir de uma canção que escuta vinda da music-box, relembra como foi parar até ali. Ficamos sabendo então que ele viajava de Los Angeles, para onde havia se mudado visando fazer carreira como pianista, a Nova Iorque, a fim de encontrar a namorada, Sue (Claudia Drake), cantora no mesmo clube em que ele se apresentava, e que permanece à sua espera. Seguindo de carona, conhece um homem que se apresenta como Charlie Haskell Jr. (Edmund McDonald), que lhe conta de uma briga que tivera na noite anterior com uma mulher a quem também recolhera na estrada. Alternando-se na direção, Al dirige numa noite chuvosa enquanto Haskell dorme a seu lado. Parando num desvio da estrada, Al abre a porta, Haskell, adormecido, cai e bate com a cabeça numa pedra. Apavorado, Al esconde o corpo e assume a identidade de Haskell, levando seu carro, os documentos e o dinheiro que ele carregava. Mais tarde, parando em um posto de gasolina, dá carona a uma mulher, Vera (Ann Savage), que logo descobre tratar-se da mesma a quem Haskell conduzira na noite passada. A partir daí, a trama se desenvolve dentro dos parâmetros do gênero, com velada tensão sexual, reviravoltas e alguma violência.

O filme tem ritmo ágil e narrativa imaginativa, apesar da má atuação do elenco, em especial de Ann Savage, uma das piores antagonistas femininas surgidas em uma produção do gênero. Torna-se ainda mais impactante se constatarmos que Tom Neal teve uma vida quase tão trágica quanto à do personagem que interpreta, chegando a ser preso, em 1965, acusado de matar a esposa, crime pelo qual escapou de pegar pena de morte, sendo condenado a seis anos de prisão. Saiu para morrer em 1972 e este é o grande momento de sua carreira, que sempre foi medíocre e sem maiores destaques.

A direção é de Edgar G. Ulmer, austríaco de nascimento, que começou sua carreira como assistente de F.W. Murnau em Nosferatu e Tabu, entre outros. Chegando pouco tempo depois nos EUA, foi logo apelidado de “Murnau das Américas”, epíteto que não só sustentava como do qual se orgulhava, pois não negava suas origens com aquele a quem considerava seu mestre.

Curva do destino é efusivamente saudado pela comunidade cinéfila estrangeira e, estranhamente, permanecia inédito no Brasil, até ser lançado pela Aurora (viva ela!, que vem promovendo o resgate de várias obras esquecidas do cinema mundial). Merece ser visto e conhecido. Sobretudo admirado e ganhar lugar de destaque na videoteca de qualquer cinéfilo.

CURVA DO DESTINO (Detour)
Drama / policial
EUA, 1945, 67 minutos.
Direção: Edgar G. Ulmer.
Elenco: Tom Neal, Ann Savage, Claudia Drake, Edmund McDonald, Tim Ryan, Esther Howard.

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