quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eric Rohmer (1921 - 2010)

Anunciada a morte, na última segunda-feira (11/1), do veterano diretor francês Eric Rohmer (1921), um dos principais nomes da Nouvelle Vague, que influenciou gerações de cineastas nos anos 60 e promoveu uma verdadeira revolução na maneira de se ver e pensar um filme. Como se fosse um elemento narrativo do próprio movimento que integrou, Rohmer guardava enigmas até referentes à sua origem – sua data de nascimento varia, dependendo da fonte consultada, e mesmo seu nome verdadeiro não é oficialmente conhecido. Mas são pequenos detalhes constitutivos de uma personalidade que soube marcar seu nome no universo cinematográfico. Afinal, pode-se gostar ou não dos filmes de Rohmer, mas jamais permanecer indiferente.

Dentre a geração de cineastas que se formou naquele período, entre os quais Godard, Rivette, Resnais, Chabrol e outros, o nome de Eric Rohmer é um dos menos conhecidos pelo público em geral, mas, paradoxalmente, um dos mais cultuados pelos cinéfilos. Dono de um estilo muito pessoal, inconfundível, ele conseguiu se sobressair em meio a um grupo que, dentro de uma proposta de renovação da forma de fazer cinema, buscava uma conscientização política por meio da arte, exatamente remando contra essa maré.

O cinema de Rohmer é extremamente simples na forma. A câmera fica estática, nada de enquadramentos inovadores ou tomadas elaboradas. Não há trilha sonora, apenas os sons ambientes. Os roteiros não primam pela inventividade, apresentando sempre o mesmo assunto: questões afetivas envolvendo homens e mulheres de diversas idades. O amor é o traço em comum. A maneira como os personagens interagem, também. Portanto, nada de excepcional. O que chamava a atenção em Rohmer era justamente a capacidade de se renovar a cada nova experiência, a segurança com que abordava seu tema preferido.
Um dos destaques da obra de Rohmer é a série Comédias e Provérbios. Formada por meia dúzia de filmes, aborda vários desencontros amorosos sempre por um viés cômico, a partir de um mote, geralmente um dito popular que funciona como uma epígrafe cinematográfica. Claro que é um tipo de humor muito francês, sofisticado, por vezes cerebral, sutil. É um tipo de comédia que leva mais à reflexão do que à gargalhada, que se debruça sobre os aspectos mais patéticos dos relacionamentos afetivos. Um dos melhores filmes da série é Pauline na praia, em que uma adolescente vai passar férias na casa de veraneio da família e provoca uma disputa entre vários rapazes. Outro bom título é A mulher do aviador, que parte de uma premissa batida, mas sempre eficiente. Um casal que nunca consegue se encontrar por incompatibilidade de horários, causada por suas atribuições profissionais. Mesmo assim se apaixonam. Como conciliar a diferença? Menos cômico do que os demais, mas igualmente interessante, é O raio verde, premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1987. Nele, uma jovem secretária não sabe como aproveitar suas férias. Viaja para vários lugares, sempre insatisfeita; o que ela quer mesmo é encontrar um romance. A atuação de Marie Rivière, também roteirista do filme, confere uma simpática veracidade à sua personagem, que pode suscitar identificações entre os espectadores, por suas inseguranças e manias. Rivière, aliás, é uma das atrizes preferidas de Rohmer, já tendo estrelado diversos filmes do diretor, que costuma mesmo trabalhar com os mesmos nomes em grande parte de sua produção.

Da mesma forma que Beatrice Romand, que começou menina nos filmes do diretor e protagoniza Um casamento perfeito. No filme, ela é uma jovem que resolve abandonar o amante, um homem casado, e conhece um advogado, com o qual fará de tudo para se casar. Mas o destino reserva muitas surpresas. Como nos outros títulos da série, este mantém os diálogos espirituosos, cheios de observações aguçadas sobre os conflitos sentimentais.

Mas a obra de Rohmer vai muito além dessa série. Seu nome ganhou notoriedade em 1969, quando foi indicado ao Oscar de Roteiro Original por Minha noite com ela. No ano seguinte, assinou sua obra-prima O joelho de Claire, contando com a fotografia deslumbrante de Nestor Almendros. Claro que seu estilo seco e lento angariava mais detratores do que admiradores. Em 1975, no filme Um lance no escuro (dirigido por Artur Penn), o personagem de Gene Hackman explicitava o que era um consenso a respeito da obra do cineasta francês: “Eu vi um filme do Eric Rohmer uma vez. Foi como se eu estivesse assistindo tinta secando.” Por isso, Rohmer é mais um gosto adquirido.

Toda a obra de Eric Rohmer, que permaneceu inédita por aqui até em VHS, foi finalmente lançada em DVD pela Europa, em edições que bem mereciam maior cuidado (quase todas têm a imagem riscada e em mau estado de conservação, além de não trazerem qualquer extra, sequer trailer). Não é para todos os públicos, mas, sem dúvida, conhecê-la é uma experiência enriquecedora.

Sua última produção, Os amores de Astrea e Celádon (2007), só foi exibido por aqui no Festival do Rio, em apenas três sessões, todas lotadas (eu consegui estar presente em uma delas), permanecendo inédito em circuito e em DVD. É provável que agora venha a público, como derradeira homenagem a um dos grandes mestres da Sétima Arte em todos os tempos.

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