quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Quem quer ser um paraplégico?

Alguma vez você já pensou em passar o resto da sua vida em cima de uma cadeira de rodas? Já teve vontade de ficar paraplégico? Tem ou já teve fantasias sexuais envolvendo mulheres mutiladas ou amputadas? Antes que alguém pense se tratar de mais um assunto motivado por uma polêmica abordada pela novela de horário nobre, esclareço que são apenas questões levantadas pelo filme O outro lado, ainda inédito em DVD, mas que costuma ser exibido na TV a cabo.

O começo é instigante. Isaac Knott, um jovem repórter paraplégico de uma pequena rádio pública de Nova York, recebe uma denúncia sobre um homem que foi até o hospital da cidade e pediu que lhe amputassem as pernas. Intrigado, vai investigar, mas, por conta de sua condição física, ninguém parece lhe dar muito crédito. Porém, as denúncias continuam surgindo e, da segunda vez, ele chega até uma seita de pessoas que, embora aptas fisicamente, desejam se tornar limitadas (são chamadas de pretendentes) presas a cadeira de rodas ou aparelhos corretores. O que poderia motivá-las a tal intento? É neste momento que Isaac conhece Fiona, a autora das mensagens que o levaram à investigação. Ela é saudável e deseja se tornar deficiente, usando aparelho para coluna e até uma cadeira de rodas. A relação entre os dois personagens vai se estreitando, até Isaac descobrir um segredo obscuro, que muda sua vida e o faz repensar tudo o que já viveu até ali.

O problema do filme é que o roteiro abandona algumas ótimas premissas para se focar no relacionamento entre o repórter e a garota misteriosa, não se aprofundando no que poderia render discussões no mínimo polêmicas. A tal seita de pretendentes, por exemplo, é logo esquecida, e nem ficamos sabendo direito o que aquelas pessoas esperavam de fato, quais as implicações psicológicas ou psicanalíticas que as moviam. Lá pelo meio, o filme quase se perde em uma solução fantasiosa, quando Isaac compra um par de sapatos de dança, bicolores, “como os que Fred Astaire usava em seus filmes”, e que, uma vez calçados, fazem com que ele consiga, se não andar, ao menos ensaiar alguns passos. Um absurdo, claro, ainda mais grave se considerarmos o grau de realismo com que a história é tratada o tempo todo. O tom fica entre o drama humano e o suspense psicológico, mas, no final, é o primeiro que prevalece, com uma resolução coerente e que justifica os atos dos personagens, embora o final possa desagradar a muitos espectadores.

A mudança do foco narrativo – começa como um suspense investigativo e termina sendo uma história de redenção e sacrifício pessoal – pode ser percebida pelo título original, Quid pro quo, expressão latina que pode ser entendida de duas formas: como gíria para confusão (qüiproquó) e, se analisada individualmente, significa, em tradução livre, “uma coisa por outra”, ou seja, um favor por outro (embora haja uma explicação na Wikipédia, quem primeiro me esclareceu o termo foi o professor de Português e grande latinista Marcelo Bastos, amigo de longa data). E mais não se pode revelar, sob o risco de atrapalhar o espectador, que deve acompanhar a história e tirar suas próprias conclusões.

Nick Stahl, ex-ídolo juvenil (O exterminador do futuro 3 – a rebelião das máquinas e a série Carnivale), não compromete e se esforça para construir um personagem convincente, o que até consegue, garantindo a seriedade do projeto. Vera Farmiga faz um bom contraponto, mantendo uma característica enigmática, evitando o derramamento romântico que seria fácil imaginar. Ela já foi vista antes em Os infiltrados de Scorsese (um papel pequeno, era a esposa de Matt Damon) e acabou de ser indicada ao Globo de Ouro por Amor sem escalas, com grandes chances de ser também nomeada ao Oscar. Não é especialmente bonita, mas sempre uma presença marcante, muito talentosa.

O filme tem o mérito de mostrar os problemas enfrentados pelos portadores de necessidades especiais (este é o nome politicamente correto) em uma grande metrópole como Nova York. Isaac, por exemplo, nunca consegue sequer entrar em um táxi: todos o ignoram quando o vêem no ponto, fazendo sinal. Também sua vida afetiva é desastrosa: as garotas (que ele conhece por meio de um site de encontros) o rejeitam ao saberem de sua condição e sua ex-noiva, também paraplégica, o deixou (porque acredita que, em um casamento, um dos dois deve ser saudável, para poder agir em caso de emergência). Lá como cá, preconceitos há.

O diretor e roteirista Carlos Brooks , em sua estréia no cinema, demostra talento e segurança. Olho nele.

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