quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Oscar 2010 - II

(Continuação da postagem anterior) O meu favorito ao Oscar deste ano é Preciosa. Confesso que não levava muita fé neste filme produzido pela Oprah Winfrey, estrelado por negros e, supostamente, endereçado a um público restrito, que poderia se reconhecer e identificar na tela. Não nos esqueçamos que foi a mesma Oprah quem nos legou o discutível Bem-amada, execrado pela crítica. Mas o que vi na tela superou qualquer expectativa. É, disparado, o melhor filme entre os dez finalistas. Conta a história (que não é baseada em fatos reais, ao contrário do que se chegou a divulgar na imprensa) de Precious, uma garota obesa de 16 anos, que está grávida do padrasto, com quem já teve uma outra filha, que tem síndrome de Down, e sofre constantes maus-tratos da mãe, que a chama de “baleia”, “lixo” e outras agressões, somando-se às verbais, também as físicas. Sua vida é um inferno, mas ela prefere trilhar o caminho da esperança ao invés de sucumbir diante das dificuldades que se apresentam. Não por acaso, o filme ganhou o subtítulo brasileiro de “Uma história de esperança”. Não é uma obra feita para divertir, e quem for assisti-la apenas para fazer hora no cinema ou se distrair certamente ficará arrependido ou revoltado. Ao contrário, é um filme de forte impacto, difícil, por vezes quase insuportável de ver, barra-pesadíssima, que pode tender para a depressão, mas inevitavelmente provocará lágrimas. Nada prepara o espectador para o choque que se terá ao assisti-lo. Pode-se acusar o diretor Lee Daniels de manipular seus personagens, visando o efeito fácil, a catarse pública; ele o faz, porém, com extrema segurança. Além de contar com duas interpretações impressionantes. A comediante Mo’Nique, muito conhecida na televisão americana, desperta ódio e pena no espectador como a mãe. Deve faturar o Oscar de coadjuvante, repetindo o feito do Globo de Ouro. Seria um prêmio merecidíssimo. A protagonista é vivida por uma estreante de nome estranho e complicado, Gabourey Sidibe, que ainda encara o desafio de, aos 27 anos de idade, interpretar uma adolescente. Sua atuação é visceral, e deveria ser reconhecida com o Oscar de Atriz, outra das seis que o filme recebeu (mas alguém acredita que uma negra gorda e feia vai ganhar o prêmio? A América de Obama ainda não chegou a esse ponto de igualdade). Quase nos faz acreditar que sua Preciosa é de fato real. Embora sua composição não esteja assim tão longe da realidade. Quantas “Preciosas” existem espalhadas por aí, mesmo no Brasil, perambulando invisíveis suas existências sofridas e silenciosas? É uma realidade que as pessoas não fazem questão de conhecer nem de ver. Mesmo assim, é um raro caso de filme que nos leva a uma profunda reflexão sobre nossa própria condição humana. Obrigatório.

Este meu favoritismo por Preciosa ocupou o espaço que antes era de Amor sem escalas, comédia romântica sobre um executivo que viaja por todo o país demitindo pessoas de empresas em situação falimentar (o cargo não existe de verdade, é apenas uma invenção dramática surgida no romance original em que se baseia, de Walter Kim, publicado no Brasil pela Record). Metódico e extremamente cético quanto ao sucesso dos relacionamentos afetivos, vê sua estrutura ruir depois de conhecer uma executiva, papel de Vera Farmiga, outra indicada como coadjuvante, juntamente com sua colega de elenco Anna Kendrick. A abertura do filme é espetacular, com uma sobreposição de imagens aéreas de várias cidades norte-americanas. Quando lançado nos EUA, Amor sem escalas chegou a ser apontado como obra-prima, coisa que está longe de ser, mas é um filme bem agradável, confirmando o talento do diretor Jason Reitman, o mesmo de Obrigado por fumar e Juno.

Sobre Bastardos inglórios, já escrevi na época do Festival do Rio. Dos outros indicados à categoria principal, Up – altas aventuras é apenas o segundo desenho animado a concorrer ao prêmio máximo (o primeiro foi A bela e a fera, em 1992). Mesmo sendo um primor de realização, evidentemente não tem chances de ganhar, mas é o favorito ao Oscar de Animação. Sua presença na lista é uma espécie de pedido de desculpas da Academia, que não incluiu Wall-E entre os finalistas ao Oscar do ano passado, quando todos davam como certa sua presença, em que pese o fato de ele ter concorrido e vencido em sua categoria específica.

Dos outros quatro indicados, há pouco a dizer. Distrito 9 já pode se considerar vencedor: é o primeiro filme africano a concorrer ao Oscar principal, além de ser uma rara ficção-científica considerada elegível pela Academia. Já se vislumbra um futuro promissor para seu diretor, o sul-africano debutante Neil Blomkamp, bem como para seu protagonista, Sharlto Copley (prestem atenção que logo logo estará em Hollywood), talvez até mesmo estrelando uma provável refilmagem em terras ianques. Educação apenas ocupa a vaga do filme inglês do ano. Um sonho possível e Um homem sério parecem evocar mesmo a época em que ter muitos indicados era uma norma em Hollywood. Cada um recebeu apenas mais uma nomeação – o primeiro deve render à atriz Sandra Bullock seu primeiro Oscar. O segundo reafirma o prestígio dos irmãos Coen junto à Academia; fossem outros que assinassem a direção, o filme provavelmente passaria em branco. Mais uma vez, não entendo como um concorrente ao Oscar recebe menos indicações do que um outro filme, que fica de fora da lista final – no caso, o musical Nine, massacrado pela crítica, esquecido até no Globo de Ouro, e que, mesmo assim, defende quatro indicações. (Continua)

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