quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mr. Lonely

Exibido no Festival do Rio de 2007, este filme chegou com a credencial de ter causado sensação no Festival de Cannes daquele ano. Não é difícil entender o motivo. Infelizmente, seu sucesso deveu-se muito mais pela ousadia proposta pelo roteiro do que por sua realização.

A idéia é rica. Em Paris, durante um show em um asilo de idosos, um sósia de Michael Jackson, insatisfeito com sua vida, conhece uma sósia de Marylin Monroe. Ela o convida a passar um tempo em sua casa, nas ilhas escocesas. Lá, habitam outros sósias de várias personalidades de diversas áreas: Chaplin (o marido de Marylin), Abraham Lincoln, Papa João Paulo II, James Dean e Madonna, entre outros. Juntos, planejam a realização de um grande espetáculo. Do cruzamento entre todos estes personagens, poderia resultar um filme de alto nível. Mas o grande problema é que os irmãos Avi e Harmony Korine, autores do roteiro, não sabem o que fazer com o material que têm nas mãos e simplesmente jogam a história pela janela. Nada acontece de muito importante, nenhum conflito se impõe de fato. As cenas se alongam além do tempo, dando a impressão de estarem apenas espichando a metragem, e muitas sequer acrescentam algo à narrativa. Além disso, o filme mostra-se pretensioso por querer abarcar uma infinidade de temas e assuntos – a solidão humana, a necessidade da fé e da tolerância entre as pessoas, a fuga possível por meio dos disfarces – e nenhum deles é desenvolvido de maneira satisfatória. Nesse sentido, o que mais chama a atenção é a virulenta desconstrução do discurso religioso, quase sempre alvo de zombarias. Há inclusive uma subtrama envolvendo freiras que passam a exercitar sua fé da maneira mais radical, saltando de um avião em movimento, depois que uma delas conseguiu se salvar em um acidente. Este lado filosófico, contudo, se perde em meio a tantas idéias mal-aproveitadas, herméticas, mal explicadas. O que começa como uma comédia rasgada vai aos poucos se tornando cada vez mais sombrio – há uma tentativa de mudar o rumo da história quase ao final, após uma cena trágica, mas nem assim o resultado se modifica.

Visualmente, porém, o filme é um primor, com bons enquadramentos, uma direção de arte cuidadosa e uma fotografia deslumbrante, que tira o máximo proveito das locações. Outro destaque é a ótima trilha sonora, combinando músicas românticas famosas de diversas épocas (até dos anos 20!) com hinos religiosos e canções folclóricas. Ainda me lembro de uma canção executada quase ao final do filme, de forte apelo simbólico, traduzindo o estado de espírito do protagonista, mas infelizmente não consegui identificá-la nos créditos nem no IMDB. Enfim, fica a impressão de que houve uma excessiva preocupação em embelezar o filme, torná-lo atraente, para disfarçar sua total falta de assunto. É também desperdício de um elenco multinacional, composto de nomes talentosos (o espanhol Diego Luna, a inglesa Samantha Morton, que já foi indicada ao Oscar, o francês Dennis Lavant, o americano Brian Cox e até o diretor alemão Werner Herzog aparece no papel do missionário). A melhor cena é logo a inicial (que é também a final), que mostra o falso Michael Jackson andando de velocípede acompanhado por um macaquinho de pelúcia amarrado na traseira ao som da clássica “Mr. Lonely”. O espetáculo apresentado pelos sósias é de uma pobreza constrangedora, mas poderia servir como um excelente desfecho após o discurso da “Rainha da Inglaterra”. Só que nem isso souberam aproveitar: perderam a chance de ao menos fechar o filme com um mínimo de dignidade.

Uma pena que, com tantos elementos interessantes, a realização tenha se perdido no excesso de pretensão de seus realizadores. Harmony Korine é o mesmo que, nos anos 90, já havia levantado muita polêmica com Kids, um filme que o tempo se encarregou de sepultar e que hoje só é citado por ter marcado a estréia de Chloe Sevigny, outro embuste que chegou a ser indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante por Meninos não choram e só o que fez na carreira depois foi a escandalosa cena de felação em Vincent Gallo em The brown bunny. Ou seja, é mais um agitador do que um roteirista competente.

Entretanto, este filme é muito especial para mim. Foi o último que assisti no cinema com meu amigo Alan, outro cinéfilo de carteirinha, e que morreu de leucemia quatro meses depois. Como sempre, ele ajudou a tornar mais suportável a projeção, com suas piadinhas e comentários bem-humorados. Pena que nossa derradeira experiência cinematográfica juntos não tenha sido mais memorável.

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