quarta-feira, 2 de junho de 2010

Todo mundo ainda perdido

Mais de uma semana depois, ainda há quem discuta o final de Lost. O tópico sobre o assunto, na comunidade oficial da série no Orkut, já conta com mais de oito mil postagens. Pena que alguns pseudo-intelectuais de última hora confundam as coisas e, convencidos de uma esperteza que nem sabem se de fato possuem, chamem de burros ou imbecis quem não entendeu o fim da série. Nem é coisa de fã exacerbado, é falta de educação mesmo. Mas evidentemente não ocuparei meu tempo com isso. Relendo a postagem da semana passada, constatei que, no fim das contas, não apresentei a minha versão dos fatos. Então, hoje, encaminho abaixo a minha interpretação.

Todos os personagens morreram na queda do avião. A ilha seria uma espécie de purgatório, onde eles precisariam expurgar seus pecados, expiar suas culpas pelos erros cometidos em suas vidas, o que é revelado pelos flashbacks da série. O fato de estarem todos mortos é reforçado por um aspecto visual e em um momento específico. No começo da quarta temporada, quando Hurley e outros encontram Zoe no meio da mata (que, depois se descobrirá, está em missão de resgate empreendida por Charles Widmore), eles se apresentam como sobreviventes da queda do vôo 815 da Oceanic, ela responde, categórica: "Não houve sobreviventes!". Além disso, embora em uma ilha, os personagens não se vestiam como náufragos, de calção ou biquíni. Todos se mantiveram trajados exatamente como estavam no momento da queda, ou permaneceram usando roupas comuns, algo impensável para alguém naquela situação. De acordo com algumas correntes do pensamento espiritual, sabe-se que, em casos de visões de espíritos de pessoas mortas, estas sempre se mostravam vestidas com as roupas que usavam quando foram enterradas, o que reforça, portanto, a impressão inicial de que, de fato, não havia sobreviventes entre o grupo de personagens.

A realidade paralela, apresentada na última temporada, foi um truque narrativo para reforçar a conclusão inicial. Nela, os personagens levavam a vida que teriam, caso não tivessem morrido no desastre. É assim que Jack cria um filho e, aparentemente, se dá bem com ele (uma forma de não repetir o abismo existente entre ele e o pai); Sawyer seria policial; Benjamin Linus, professor de curso secundário – e Alex, sua "filha" na ilha, uma de suas brilhantes alunas. E assim por diante. Essa realidade paralela foi deflagrada no momento em que Juliet explodiu a bomba de hidrogênio, no fim da quinta temporada. Aliás, Juliet, nessa nova realidade, seria a esposa de Jack, como ele deixou escapar em uma fala rápida. Uma coisa meio fora de sentido, mas tudo bem.

Isso foi o que entendi. É claro que muitas coisas continuariam sem resposta. Aí cairíamos no terreno das especulações. Há quem defenda a tese de que, com o aumento da audiência na televisão americana, e o conseqüente repuxo financeiro que veio na trilha dessa audiência, os criadores teriam sido impelidos a inventarem uma série de subtramas para garantir a assistência – ou seja, muita coisa do que se teria visto em temporadas passadas seria apenas uma forma de prolongar a história além do necessário. No fim, nada importava, nem Iniciativa Dharma, nem urso polar, nem coisa alguma. Seria uma explicação coerente, mas simplista demais.

Daria para escrever várias colunas comentando sobre isso, mas, para mim, o assunto, por ora, se esgotou. Uma coisa ninguém pode negar: Lost se tornou um marco na televisão e na cultura ocidental de maneira geral. Daqui a quinze, vinte anos, ainda haverá quem esteja discutindo seu final e tentando decifrar seus enigmas. E não é assim que uma obra-prima se pereniza no tempo? Mantendo-se viva também pelas dúvidas insolúveis que suscita? Machado de Assis já sabia disso, desde o século passado.

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Juro que nunca atinei para essa possibilidade em nenhum momento das seis temporadas de Lost. Mas depois fiquei pensando: já pensaram se David Lynch tivesse sido convidado para dirigir um episódio da série?

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Dica literária: As catilinárias, de Amelie Nothomb. Humor absurdo e cruel numa história que, a exemplo de Lost, se presta a diversas (mas não tantas) leituras. Tive vontade de adaptá-la para o cinema.

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