segunda-feira, 7 de maio de 2012

Miojo com sangue


Estamos sempre criticando a mania que Hollywood tem de refilmar obras originais de outros países, quase sempre com resultado inferior, seja porque tal artifício evidencia a falta de criatividade para se escrever histórias novas (é melhor aproveitar algo que já existe e reciclá-lo para o cenário local), seja pela distorção conferida a inúmeros aspectos culturais da trama. Mas o feitiço também vira contra o feiticeiro e, neste filme de título comprido e curioso, Uma mulher, uma arma e uma loja de macarrão, temos o inverso: uma refilmagem oriental de um filme norte-americano, no caso, Gosto de sangue, que marcou a estréia dos Irmãos Coen, em 1984.



O nome por trás da ousadia é Zhang Yimou, um dos maiores diretores chineses e o principal realizador daquele país na atualidade. Um mestre no manejo de cores, luzes e movimentos, ele tem cacife para fazer o que quiser. São dele alguns dos filmes mais bonitos dessa primeira década do século, como Herói, O clã das adagas voadoras,  A maldição da flor dourada, todos dotados de um visual belíssimo, e o mais recente, e também deslumbrante, A árvore do amor. Este seu novo projeto, o mais francamente comercial de sua carreira, acompanha a qualidade dos demais, destacando-se por se tratar de uma comédia, gênero no qual ainda não havia se aventurado. O resultado é bastante satisfatório.

O roteiro segue a mesma estrutura narrativa do filme dos Coen, com um ou outro pequeno detalhe modificado (fora, evidentemente, o fato de ser rodado na China, ou seja, com o tempero local!). A mulher do dono de um restaurante de macarrão começa a ter um caso com um funcionário novo. O marido descobre e contrata um pistoleiro para dar fim aos dois, mas as coisas tomam um rumo inesperado.



 Fazer mistério da história é meio desnecessário, já que se trata de versão de um roteiro conhecido. O curioso aqui é constatar a versatilidade de Yimou, que continua sendo um mestre no domínio de câmera e consegue imprimir seu estilo mesmo num gênero que lhe é estranho. Se por um lado as cores fortes e contrastantes, uma de suas marcas, quase não aparecem (não esqueçam que se trata de um film noir, portanto, reza por uma cartilha muito característica), por outro, o diretor confirma suas qualidades de fotógrafo, trabalhando sombras e penumbras com a mesma competência.

Há cenas que remetem diretamente ao clássico original dos Coen (como a do corpo sentado na cadeira deixando o sangue escorrer; as tomadas por cima) e uma dose de bom humor que não existe na versão norte-americana, afinal, não se pode esquecer que se trata de uma comédia. Ou seja, Yimou não só presta uma homenagem aos irmãos diretores, mas também reconta do seu jeito a história.



O filme foi exibido no Festival do Rio e, estranhamente, não encontrou espaço no circuito exibidor, saindo direto em DVD. Talvez para compensar, a distribuidora caprichou na edição, que chega com quase duas horas de extras, mostrando a preparação do elenco, as cenas de ação, entre outros destaques, todos legendados (o que não é muito comum partindo da Sony). Mas desperdiçou uma grande sacada ao traduzir o título original ao pé da letra – poderia muito bem ter ficado “Gosto de sangue e macarrão”!

Se Hollywood quase sempre estraga os filmes que se mete a recriar, aqui vemos que o inverso dá certo. 

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