segunda-feira, 14 de maio de 2012

A virtude está no meio


Aos 27 anos, o jovem Adam é um radialista em carreira ascendente. Mora numa casa bacana e tem uma linda namorada ruiva. Tudo vai bem na sua vida, até descobrir que é portador de um raro tipo de câncer na coluna. Suas chances de sobreviver ao exaustivo tratamento são de exatos 50%. Começa, então, um espetáculo de lágrimas e desespero, e o que era bem-humorado no começo se perde em uma chorumela insuportável. Certo?

Bem, se esta fosse mais uma adaptação de obra de Nicholas Sparks, seria até provável. Mas este filme, 50%, foi uma das boas surpresas do começo do ano nos Estados Unidos, recebendo críticas bastante favoráveis. Estranhamente, porém, foi esnobado pela Academia, que o rejeitou na hora de distribuir as indicações, mesmo sendo melhor do que pelo menos metade dos indicados ao prêmio principal, mas não passou despercebido pelo Globo de Ouro, que lhe conferiu duas nomeações. Mais estranho ainda é que não tenha encontrado espaço no circuito exibidor nacional, sendo relegado à prateleira de DVDs (é aquela velha história: para cada American pie que ocupa 300 salas pelo país, uma jóia como essa fica no limbo). E, embora o filme seja apresentado como uma comédia dramática, não há muito em que pensar na hora de classificá-lo nas locadoras.


 Fazer humor a partir de doenças ou situações terminais, além de difícil, é de um mau-gosto atroz, desumano, chega a ser cruel. Tanto que, mesmo nesses tempos cínicos que vivemos, não há praticamente exemplos dessa mistura indigesta. Lembro-me de Homer e Edie (1989), com Whoopi Goldberg e James Belushi, que conta a história de uma improvável amizade entre um homem deficiente mental e uma mulher que carrega um tumor na cabeça (pesado, mas tem lances cômicos, sem serem ofensivos). Há, claro, aquela cena horrível com o testículo de Gatos numa roubada (2001), que só pode ter sido concebida por uma mente doente. Mas aqui não há a preocupação de aliviar nada pela via do riso. O tema é tratado com o respeito e a seriedade que merece. A habilidade do roteiro, inspirado na história real de seu próprio autor, Will Reiser, é saber introduzir elementos e momentos de um terno humor sem errar a mão, sem expor o protagonista ao ridículo. Essa habilidade foi reconhecida no Independent Spirit Award (ISA), que premiou o filme na categoria de roteiro original (a mesma em que foi indicado ao Globo de Ouro).


O grande lance do roteiro é, simplesmente, tratar os personagens como seres humanos comuns, iguais a eu, você, nossos amigos e familiares. Assim, tudo no filme obedece à lógica fracionária do título: nada é inteiramente bom ou ruim. Ao mesmo tempo em que Adam magnetiza a piedade da platéia, também age como um filho desnaturado, que foge dos contatos telefônicos da mãe por não agüentar sua preocupação excessiva e fingir “desconhecer” a condição do pai, que tem Alzheimer – ou seja, não deixa de provocar também certa antipatia, assumindo um comportamento condenável, “lavando as mãos”. A doce namorada de Adam, que no começo se mostra apaixonada e disposta a tudo para sustentar seu amor, também não é o que parece. O melhor amigo tenta levantar-lhe o astral, levando-o a festas, mas usa seu estado de saúde para sensibilizar garotas e dormir com elas. 


A psicóloga (com quem Adam se recusa a tratar a princípio, por ser mais nova do que ele!) mostra-se insegura no começo, mas cresce, como pessoa e como profissional, ao longo dos encontros com seu paciente, e é responsável por uma das cenas mais duras do filme, quando condena o comportamento evasivo de Adam em relação à mãe (“Ela já não pode conversar com o marido, e agora também não tem você. Está sozinha no mundo e só tenta apoiá-lo, mas você a rejeita”). Essa dualidade também transparece na própria montagem da narrativa, que começa de forma bem-humorada, cede espaço para o drama, sem jamais cair na pieguice, equalizando ambas as situações, evitando que a fita se torne nem tão dramática a ponto de soar exagerada e insuportável de assistir, nem tão engraçada de forma a cair na grosseria. Uma qualidade admirável, um equilíbrio muito raro de se atingir, sobretudo hoje em dia. Bola dentro.

Contribuem para o ótimo nível do filme as boas atuações, quase todas no ponto. Joseph Gordon-Levitt confirma o talento que despontou em 500 dias com ela e compõe um protagonista muito humano, na medida certa entre a esperança e o desespero, o que lhe valeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical (mesmo que 50% não seja nem uma coisa nem outra!). Anjelica Huston faz a mãe amorosa que esconde suas dores sem se alterar em momento algum. Anna Kendrick (a amiga de Vera Farmiga em Amor sem escalas) empresta doçura e firmeza necessárias à psicóloga residente. Bryce Dallas Howard (sempre linda e fiel ao seu estilo, mudando de cara e penteado a cada novo filme) empresta a ambigüidade adequada ao papel. 


Mas o grande nome, para mim, é Serge Houde, veteraníssimo ator canadense, geralmente coadjuvante, com quase 130 filmes no currículo – você pode nem se lembrar dele, mas certamente já o viu em O pagamento de John Woo, O dia em que a Terra parou com Keanu Reeves, Por amor com Michelle Pfeiffer – que interpreta o pai alienado do mundo por força de sua doença incurável. Uma grande presença, capaz de marcar o tom do personagem apenas com a vaguidão do olhar ou a inércia de ações (apesar de eu achar sua última cena equivocada, parecendo negar a natureza do seu Richard). A curva fora do mapa é Seth Rogen, que exagera na grosseria como o melhor amigo, conta piadas sexistas e trata as mulheres como objetos. Parece estar em uma daquelas comédias adolescentes que lhe deram fama, não em um drama sério e consistente. Falta-lhe humanidade, embora sua justificativa final redima o personagem.


Uma promissora estréia de Will Reiser como roteirista (ele também interpreta Greg) e direção segura de Johnatan Levine (sem nada importante no currículo, antes fez Doidão, que só passou aqui no Festival do Rio, e o suspensinho Tudo por ela). Também nos faz questionar o tipo de relacionamento que mantemos com as pessoas que nos são queridas e próximas, que hoje estão ali, amanhã podem não estar. Emocionante, bonito e bem realizado. 

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