domingo, 17 de junho de 2012

Onde andará Alice Creed?


Se não ficasse na prateleira de lançamentos, provavelmente O desaparecimento de Alice Creed seria um desses filmes menores que terminam relegados aos cantos escuros e somente são descobertos pelos ratos de locadora. Tomara que sua atual acessibilidade sirva para que um grande número de pessoas possa assisti-lo e se surpreender, assim como aconteceu comigo.



Pela estrutura narrativa e a concepção cênica, pensei que fosse adaptação de alguma peça de teatro, mas não, é uma idéia original, concebida e escrita pelo próprio diretor que se assina como J. Blakeson e faz sua estréia no formato depois de dois curtas-metragens, Pitch perfect e The appointment (não confundir com um homônimo que concorreu ao Oscar da categoria, aliás, existem inúmeros outros de mesmo título), mas com certa experiência em roteiro – escreveu Abismo do medo 2. É provável que o ambiente claustrofóbico deste último tenha influenciado na construção da atmosfera deste aqui, um dos filmes mais tensos que eu vi nos últimos tempos.

Só o tempo poderá responder se Blakeson será um diretor original ou mais um imitador de Guy Ritchie, como há tantos no cinema inglês moderno. Por enquanto, ele ganha pontos, mostrando vigor e criatividade, tanto na condução do elenco quanto na parte técnica, com ângulos inusitados, tomadas de cima, e bom ritmo.

Nos primeiros minutos, o espectador fica perdido com a agilidade das ações. Tudo é muito rápido: a preparação do cativeiro, o seqüestro, o encarceramento da vítima, as fotos que são tiradas para fins de chantagem. Não se perde tempo com conversas inúteis nem com palavrório vazio. Quando os diálogos surgem, são precisos e explicam o máximo em poucas palavras. Ficamos sabendo então que a vítima é a jovem Alice Creed, filha de um milionário local. Os dois meliantes se conheceram na prisão e um deles é antigo caso amoroso de Alice, mas aparentemente não houve mágoas quando terminaram, ela teria sido “escolhida” simplesmente porque ele sabia de sua condição social. Os bandidos planejam fugir para a Flórida com o dinheiro do resgate, mas as coisas podem tomar outro rumo quando um deles descobre que seu comparsa é conhecido da vítima.



O diretor tranca seus três intérpretes em um cenário opressivo, mal-iluminado, sujo, e obtém ótimos resultados, ampliando a sensação de tensão e desconforto que atravessa todo o filme. Quase toda a história se desenrola no pequeno esconderijo dos bandidos, e quando a trama se encaminha para o final, abre-se espaço para um exterior indiferente, de cores igualmente esmaecidas, sem o brilho redentor que, em Hollywood, provavelmente seria usado como metáfora óbvia.

A atuação do trio é outro elemento que valoriza o resultado final. Eddie Marsan (o instrutor de autoescola de Simplesmente feliz e que aparece debaixo de pesada maquiagem em Branca de Neve e o caçador como um dos anões) confirma ser um dos melhores atores ingleses da atualidade, sempre nervoso e violento, prestes a explodir. Menos conhecido, Martin Compstas (nada de relevante na carreira, muita produção local, televisão, curtas) se contrapõe a ele com um tipo entre o apavorado e o apatetado, quase arrependido de estar no meio daquela situação. Gemma Artenton, em seu primeiro papel de destaque antes de se tornar mais conhecida por Príncipe da Pérsia e o recente O retorno de Tamara, segura as pontas em um papel difícil, em que aparece nua, é humilhada, espancada, ameaçada, ou seja, se expõe de forma visceral, sem medo.




Para os fetichistas, o filme é uma caçarola de prazeres proibidos, a ser degustada sem culpa: há fartas doses de podolatria (com direito a closes tarantinescos e tudo), um pouco de onfalolatria, bondage (Alice passa grande parte do filme algemada à cama, amordaçada e com um saco na cabeça), struggling, e toda a situação evoca a fantasia clássica de seqüestro e submissão, que os sadomasoquistas apreciam – por esse aspecto, o filme pode ser rejeitado pelo público feminino, que terá muita resistência em embarcar na história e, menos ainda, se identificar com a protagonista, ainda que ela mostre heroísmo e força quando exigida.




Toda a história segue a lógica do imprevisível, nada é como o espectador espera que aconteça, e garante o interesse até a cena final. Uma ótima opção no mar de fitinhas descartáveis que entopem o setor de lançamentos. Vale conhecer.

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