quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Quando a democracia disse "Não"

Não (2012)

Entre o final dos anos 80 e meados dos 90, o mundo assistiu a uma série de transformações sociopolíticas que alteraram de forma indelével as configurações da história como conhecíamos. Entre tais eventos, os mais emblemáticos foram a queda do Muro de Berlim, a desintegração da União Soviética, que, por tabela, gerou o esfacelamento do regime comunista na Europa Oriental, e a Guerra da Bósnia, um dos episódios mais sangrentos do século XX. Naquela época, a TV a cabo ainda engatinhava no Brasil, telefone celular era um luxo para os mais abastados e a internet estava embrionária. As pessoas assistiram a tudo apenas pela televisão e só dispunham dos jornais e revistas para se informar. Em meio a esse vendaval de mudanças, uma que ficou quase no rodapé da história, e que eu, confesso, nem me lembrava mais, teve vez aqui perto, no vizinho Chile.

Em 1988, o governo ditatorial do general Augusto Pinochet autorizou a realização de um plebiscito, por meio do qual o povo escolheria entre a continuidade do governo totalitário e a renovação democrática. É neste panorama que se desenvolve a trama de Não (ou No, como preferiu a distribuidora, descartando a tradução), um dos finalistas ao Oscar de Filme Estrangeiro deste ano - já expliquei, sei que a denominação é errada, mas não consigo chamá-la de outra forma. Não deve levar (a estatueta já é praticamente do Amor de Michael Haneke), mas é um concorrente digno e que merece a atenção.

René Saavedra (Gael García Bernal): a ditadura cansa.
O "não" do título significa a opção pela abertura democrática, em oposição, obviamente, ao "sim", que decretaria a permanência de Pinochet, que já contava quase 15 anos à frente do poder, período durante o qual lançou o país em trevas, violência generalizada e todo aquele aparato próprio das ditaduras. É pelo "não" que um grupo de publicitários é contratado para criar uma campanha de televisão, de forma a convencer a população local. Eles estão sozinhos contra todos; sabem de antemão que o plebiscito é um blefe, uma jogada política de Pinochet apenas para legitimar o sistema vigente para o resto do mundo. Mesmo assim, guiados pelas convicções de cada um, não esmorecem e buscam criar a melhor campanha possível. É a contribuição que podem dar para a reconstrução do Estado democrático. À frente desse grupo, está René Saavedra (Gael García Bernal, em outra boa composição), que tem motivos pessoais para se empenhar por uma vitória pelo "não", já que sua mulher é uma ex-presa política que acabou de ser libertada. Ambos têm um filho pequeno e é nele que se projeta a imagem de um Chile futuro e esperançoso, bafejado pelos ventos da mudança.

O diretor Pablo Larraín vem se firmando como um dos principais realizadores do cinema latino-americano e confirma seu talento na condução dessa história que combina habilmente tensão e drama político. Longe do suposto panfletarismo que tal tema suscitaria, o roteiro, escrito por Pedro Peirano (da série local 31 minutos) e baseado na peça O plebiscito, de António Skármeta, abre a discussão e dá voz aos dois lados, embora, inegável e obviamente, com simpatia pela causa democrática.

Uma das campanhas pelo "não": a alegria está chegando.
A exemplo do que fizera em seus trabalhos anteriores, Tony Manero e Post mortem, em Não Larraín mescla ficção e realidade por meio da inserção de imagens documentais, inclusive apresentando as verdadeiras campanhas pró-"não" que foram veiculadas na televisão chilena, mostrando um suposto making of produzido pela equipe. Todas são criativas e até emocionantes. Mesmo sendo referentes a outro país, dão orgulho e causam simpatia a quem assiste, ganhando ainda mais pontos em contraste com as pobres mensagens oficiais que também são mostradas.

No elenco, ainda estão Alfredo Castro, ator preferido de Larraín e que esteve em seus trabalhos anteriores, Néstor Cantillana (da série Prófugos) e Luís Gnecco (idem e que esteve no recente A dançarina e o ladrão). Um filme que confirma a boa qualidade dos indicados deste ano.

2 comentários:

  1. Esse filme parece tão bom! Quero vê-lo!!

    (E sigo não entendendo porque você não faz comentários do que vê no Cinema Fantástico. tsc, tsc, tsc...)

    Beijão, boa sexta-feira.

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  2. Sheila, é pra chamar o povo pro meu blog (rs).
    Beijão - bom final de semana.

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