quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Gravidade zero e o cinéfilo chato

Depois de algumas sessões de pré-estréia no Festival do Rio, Gravidade entrou em cartaz na última sexta-feira (11/10) referendado por toneladas de críticas altamente favoráveis. A revista Veja Rio concedeu cinco estrelas à produção, algo que eu nunca tinha visto. Até o normalmente azedo Rubens Ewald Filho se rendeu e escreveu uma crítica bastante elogiosa em seu site. No grupo do Festival do Rio no Facebook, 12 das 13 notas concedidas ao filme foram acima de 8. Ou seja, praticamente de todos os lados sobram elogios para a esmerada produção dirigida pelo mexicano Alfonso Cuarón. Diante disso, sobrou-me uma dúvida: será que eu é que sou tão chato e ranzinza para não enxergar tantas qualidades assim?

Veja esta maravilha de cenário: prodígio em 3D.
Comecemos pelo 3D. Sim, ele funciona maravilhosamente bem neste filme. As imagens do espaço sideral, reproduzidas no formato em que quase é possível "tocar" a abóbada celeste, ou se sentir dentro de uma verdadeira missão espacial, contagiam até quem torce o nariz para a tecnologia, como eu. Não há como não tirar o chapéu para os efeitos especiais. Só que cinema não pode se resumir a efeitos especiais, é preciso que haja um roteiro sólido que justifique toda a trama criada em torno deles. É aí que Gravidade erra. Ele encanta e funciona como pirotecnia audiovisual; mas, como peça dramatúrgica, é quase nula. Tirando os efeitos, pouco sobra.

O filme segue a linha comum a qualquer blockbuster: um visual espetacular que captura o olhar do espectador e disfarça a fragilidade da trama. Mas, quem conseguir enxergar além das trucagens tridimensionais e reparar um pouco no desenvolvimento da história, provavelmente terá a sensação de que tudo é mera desculpa para que se faça uso de efeitos de última geração.

Como a fantasia escapista que se pretende, Gravidade é exemplar. E nem vale a pena citar os muitos erros que certamente passam despercebidos ao espectador comum, mas foram apontados por cientistas, pesquisadores e mesmo astronautas que assistiram ao filme. Por exemplo, o fato de a Estação Espacial Internacional (EEI) estar na mesma órbita que a Estação Chinesa e o telescópio Hubble e todos ficarem a poucos metros de distância um do outro, algo que não ocorre na realidade, por questões de segurança.

Cada época tem a Jane Fonda que merece.
Também é muito citada a cena em que Sandra Bullock protagoniza um striptease a bordo da nave (seria uma referência intencional à Barbarella?), o que também soa inverossímil, já que o traje espacial é pesado, os astronautas não o ficam tirando toda hora como se vê no filme. Mas até aí tudo bem, afinal, cinema é fantasia, não há obrigação de reproduzir fielmente a realidade, nem há preocupação de se rodar uma fantasia corretamente científica em seus mínimos detalhes.

A questão é que quem paga ingresso para ver um filme desse no cinema não está preocupado com implicações existenciais (há quem veja ecos de 2001 - Uma odisséia no espaço, de Kubrick) nem com verdades científicas, mas sim, justamente, em se extasiar com as imagens, em se perder no clima de fantasia, deixar os problemas fora da sala escura e mergulhar em duas horas (na verdade, hora e meia) de distração.

A frase da chamada é contraditória.
Mas, chato que sou, implico com a fragilidade do roteiro, com a falta de alternativas dadas aos personagens, que não têm muito o que fazer no espaço, com a repetição de algumas situações, com o completo vazio que se abate sobre o espectador ao final da sessão. Talvez por isso tenha certa má vontade com esses blockbusters. Eu sei, não há outro tipo de filme que confirme mais aquela velha máxima de que "cinema é a maior diversão" do que esse, mas penso, sempre pensei, que cinema pode ser mais. Acho que pela minha própria formação cinéfila, muito mais próxima do cinema alternativo, europeu ou oriental, com conteúdo, do que das papagaiadas hollywoodianas, que enchem os olhos e esvaziam a cabeça.


Talvez eu não tenha me deixado contagiar da forma correta quando vi o filme, espremido entre uma sessão e outra, e ainda preocupado com minha programação, meio torcendo para que ele acabasse logo e não me atrasasse. Pode ser. Admito revê-lo com calma e, prometo, ser menos duro em minha apreciação. Até os chatos têm direito a uma segunda chance. Com toda a ambigüidade que tal assertiva possa conter.

2 comentários:

  1. Concordo com a crítica. Os efeitos são sensacionais, mas o roteiro é bastante previsível e até certo ponto "chato"....

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  2. Somos vozes quase dissonantes em meio ao público geral que, embevecido pelos efeitos especiais, esquece desse "pequeno" detalhe chamado roteiro.

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