A
polêmica do momento é sobre a liberação de publicação de biografias não
autorizadas. O assunto vem sendo tratado com a devida seriedade pela imprensa e
merece um debate amplo, principalmente por tocar em um ponto fundamental da
Constituição brasileira, o direito à privacidade individual. Há quem defenda a
tese de que pessoas públicas tais como artistas ou políticos, os principais
enfocados nesse gênero literário, não têm exatamente um lado privado, e tudo o
que fazem ou já fizeram seria de interesse geral. Outros, ao contrário, dizem
que biografias devem se restringir às realizações em suas respectivas áreas de
atuação, descartando aspectos da vida pessoal de cada figura, sobretudo aqueles
que comprometam a imagem do biografado.
A
gênese da discussão, como todos devem se lembrar, é o livro Roberto Carlos em detalhes, escrito pelo
pesquisador Paulo César de Araújo, lançado em 2006. A obra foi recolhida das
livrarias pouco tempo após o lançamento e embargada na Justiça. O cantor se
disse ofendido porque não concedeu qualquer entrevista ao autor do livro e o
considerou invasão de privacidade. Oficialmente, porém, sabe-se que ele não
gostou de ter certas intimidades reveladas, como o acidente de que foi vítima
quando criança, no Espírito Santo, e que resultou na atrofia de uma perna, fato
já muito conhecido por quase todo mundo e facilmente encontrado na internet. Quem
conseguiu comprar agora tenta capitalizar em cima da raridade do título. No
site da Estante Virtual, até a manhã desta quinta-feira (24/10), havia dez exemplares
à venda por preços que variavam entre R$250 e R$500.
O
cinema sempre teve nas biografias um porto seguro para produções normalmente
atraentes ao público. Então, fiquei pensando se essa suposta proibição se
estendesse à sétima arte. No Brasil, vários filmes nunca teriam vindo a lume.
GARRINCHA,
ESTRELA SOLITÁRIA
- Taí um caso em que o espectador sairia ganhando com a proibição. O filme todo
é um equívoco, a começar pelo sacrilégio de escalarem um ator assumidamente
flamenguista (André Gonçalves) para viver o eterno ídolo do Botafogo, uma
escolha que pareceu provocação. O roteiro prefere sublinhar as estripulias
amorosas e sexuais do jogador e pouco se fala de sua carreira nos gramados,
tudo é muito rápido e mal contado. Não faz justiça ao estupendo livro que o
inspirou, Estrela solitária - Um
brasileiro chamado Garrincha, de Ruy Castro, que também enfrentou problemas
na época de seu lançamento, chegou a ser censurado pelas filhas do jogador, que o consideraram desrespeitoso e partilhavam um naco maior dos direitos de imagens (depois foi liberado).
NOEL, POETA DA
VILA
- Outro que se dedica mais a registrar a vida do que a obra do artista, no
caso, destacando as conturbadas relações afetivas do grande compositor, quase
deixando sua obra genial em segundo plano. O roteiro desigual diverte bastante
no começo, a ponto de eu achar que o filme era uma comédia, para depois se
tornar sombrio e até triste demais. Rafael Raposo nunca mais fez nada, mas está
bem como o personagem título. O som é catastrófico, tornando os diálogos quase
incompreensíveis.
LÚCIO FLÁVIO, O
PASSAGEIRO DA AGONIA
- O Brasil deve ser o único país do mundo que glorifica a bandidagem com
filmes! Aqui imortaliza-se o bandido Lúcio Flávio, que aterrorizou o Rio de
Janeiro nos anos 70. Destaca-se o bom trabalho de Reginaldo Faria como o
marginal. O filme, de 1977, teve uma espécie de continuação três anos depois,
com Eu matei Lúcio Flávio, em que se
conta a versão "oficial" (da polícia) dos fatos.
2 FILHOS DE
FRANCISCO
- Um dos maiores sucessos recentes do cinema brasileiro talvez nem fosse realizado.
Certo, a narrativa construída em tons épicos confere um natural heroísmo à saga
empreendida pela dupla, que termina vencedora graças a seus próprios esforços. mas será que se houvesse algum episódio comprometedor
na trajetória dos artistas, isso seria mostrado?
LULA, O FILHO DO
BRASIL
- Este é o melhor exemplo do tipo de biografia que se espera que seja lançada
no país. Mais que uma história de vida, trata-se da própria construção de um
"mito" político, cuja vida parece ter se desenvolvido de forma
inteiramente limpa, sem qualquer mancha, quando sabemos que não foi bem assim. Seu
sucesso na política seria, portanto, uma conseqüência natural, um
"prêmio" a tanto sofrimento enfrentado ao longo dos anos. Hagiografia
disfarçada.
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