quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Pílulas do Festival do Rio 2013 - Primeira semana

Depois de tantos erros na edição do ano passado, parece que a organização caiu em si e resolveu caprichar mais desta vez. A programação foi liberada com uma semana de antecedência, as vendas pela internet funcionaram bem e as sessões vem começando rigorosamente no horário, um detalhe fundamental para manter uma grade sem sobressaltos. Claro que nem tudo é perfeito - uma sessão foi cancelada porque a cópia não tinha legendas - , mas estão se esforçando e no caminho para, um dia, quem sabe, fazer um evento sem problemas.

Este ano meti o pé na porta e comprei o passaporte de 50 filmes. Então, há várias sessões noturnas, o que me impede de atualizar o blog no prazo costumeiro. A lista abaixo relaciona o que vi na primeira semana e compreende os dias 27/9 (sexta-feira) e 3/10 (quinta-feira). A postagem da próxima semana entrará no ar até as 12h da sexta-feira (11/10). 

NEBRASKA - Alexander Payne arrisca um suicídio comercial com este road movie sobre velhice rodado em preto e branco. A aposta, porém, resulta no que talvez seja seu melhor trabalho, com belíssima fotografia e vários diálogos inspirados e bem engraçados. Bruce Dern comovente como o octogenário que cisma que ganhou um prêmio na loteria, bem coadjuvado por June Squibb, a esposa desbocada. Ambos podem abocanhar indicações ao Oscar, bem como o filme pode ser lembrado em outras categorias. * * *

BLACKFISH - FÚRIA ANIMAL - Depois de um prólogo algo cansativo, em que são detalhados aspectos da vida das orcas, o documentário apresenta o caso do SeaWorld de Orlando, acusado de maus-tratos contra os animais que lá se apresentam. Ex-treinadores do parque e cientistas marinhos prestam depoimentos em que confirmam as acusações. Várias cenas chocantes flagram ataques das baleias durante o treinamento. Nada que ninguém já não saiba que existe, mas a denúncia sempre é válida. * * *

NÓS SOMOS OS MELHORES! - Retorno de Lukas Moodyson à narrativa convencional, após um longo período de experimentalismos visuais. Na Estocolmo de 1982, três garotas socialmente desajustadas resolvem formar uma banda de punk rock. Olhar carinhoso sobre o universo adolescente que lhe deu fama com Amigas de colégio (1999), baseado em livro escrito por sua esposa, Coco, evidentemente com toques autobiográficos. Tem alguns momentos engraçados, mas o filme é longo demais e se perde em uma anarquia narrativa ainda prejudicada pela música, alta e chata. * *

A GAROTA DAS NOVE PERUCAS - Moça descobre que tem um raro tipo de câncer e, durante o tratamento, passa a alternar tipos diferentes de perucas, compondo uma personalidade específica para cada uma. Os alemães parecem gostar de filmes sobre câncer - ano passado, foi o ótimo mas pesado Parada em pleno curso. Este investe em um humor melancólico para suavizar o drama da situação e até consegue, com uma boa atuação da protagonista. Mas o filme é bem menos do que sugere a atraente sinopse. * *

EU SOU DIVINE - Demorou até que alguém fizesse um documentário sobre Divine, a musa trash do diretor John Waters, que superou todos os preconceitos e se tornou uma estrela do underground norte-americano. Mostra cenas de suas apresentações em clubes noturnos e várias passagens de seus filmes, inclusive comprovando que a cena final de Pink flamingos foi aquilo mesmo, sem montagens ou efeitos especiais. Informativo e divertido, uma homenagem à altura do biografado. * * *

UM EPISÓDIO NA VIDA DE UM CATADOR DE FERRO-VELHO - Não entendi a proposta do diretor Danis Tanovic (do premiado Terra de ninguém, 2001) em recriar o drama de uma pobre família bósnia, cuja mãe precisa de um tratamento médico, mas não dispõe do dinheiro necessário para o custeio. A novidade é que ele usa a família verdadeira para interpretar seus próprios papéis e reviver a experiência, agora em termos ficcionais, o que deve ter sido bem doloroso. O registro resulta frio e um tanto cansativo, apesar da curtíssima duração (apenas 75 minutos). Foi surpresa ter ganho prêmio de ator em Berlim (Nazif Mujic, o pai), já que ele interpreta a si próprio. O caso mostrado na tela, infelizmente, não é novidade para os brasileiros, que enfrentam situações muito semelhantes todos os dias. Sem maiores destaques. *

SONAR - Chegou muito falado, mas é uma decepção. Praticamente não há história, embora sempre seja possível que alguém veja implicações metafísicas ou psicanalíticas neste estático drama alemão. Um grupo de jovens se reúne em uma casa de campo para relembrar um amigo que cometeu suicídio. Durante o processo, verdades são reveladas e algumas catarses acontecem. O filme é um encadeamento de cenas sem muita ligação entre si. Em certo momento, uma das personagens diz: "Não faço a menor idéia do que estamos fazendo aqui." O público deve ter pensado a mesma coisa.

MAR NEGRO - Chegou a ser um dos títulos mais disputados da primeira semana do evento. A organização, estranhamente, preferiu escondê-lo na sala 2 do CCJF, de apenas 56 lugares. O capixaba Rodrigo Aragão melhora a cada filme. Desta vez, contou com orçamento superior ao de seus trabalhos anteriores, Mangue negro e A noite do chupacabras, e o resultado é visto na tela, explodindo em seqüências de grande impacto visual, com maquiagem elaborada e um bom design dos monstros. Discípulo de Mojica Marins, Aragão se assume como trash, mas o faz com bastante carinho pelo cinema e sem se levar muito a sério. Grande diversão. * * *

NOSSA QUERIDA FREDA, A SECRETÁRIA DOS BEATLES - Freda Kelly trabalhou como secretária dos Beatles por 11 anos, entre 1962 e 1973. Se pouco ou nada se falou sobre ela até hoje, foi por escolha própria. Ela optou por se manter distante da mídia durante todos estes anos, renegando a fama que poderia ter alcançado, tanto que trabalha até hoje, ainda como secretária, para pagar as contas. Foi redescoberta agora pelo diretor Ryan White, para quem aceitou contar sua história. Freda se revela ótimo personagem para um documentário: é simpática, não posa de estrela e vai desfiando lembranças e memórias com muito bom humor. Mas não espere revelações bombásticas nem polêmicas: ela se limita a contar curiosidades dos bastidores e de seu relacionamento com o quarteto. Na única pergunta mais indiscreta, se ela chegou a ter um caso com algum dos rapazes de Liverpool, Freda responde, após um curto silêncio: "Não! Vamos pular essa!". Os fãs dos Beatles vão gostar. * * *

DETETIVE CEGO - Johnny To é um dos principais nomes do cinema asiático atualmente. Eu nunca tinha visto nada dele e não gostei. Achei tudo exagerado, gritado, com personagens caricatos, parecendo um sub-Jackie Chan com a combinação de ação, violência e humor meio infantilóide. Não sei se o estilo dele é esse mesmo ou se fui mal apresentado a ele. Longo demais, mas o roteiro tem algumas reviravoltas interessantes. * *

O UIVO DA GAITA - Outra bizarrice experimental de Bruno Safadi, que insiste em fazer um tipo de cinema que não interessa e ninguém quer ver. Apesar de tecnicamente perfeito - enquadramentos, movimentos de câmera, fotografia, locações, música - , a narrativa é muito aborrecida e não consegue dialogar com o espectador. Recebido com bastante frieza ao final da sessão. *

OS LOBOS MAUS - A mesma dupla de diretores de Raiva, o primeiro filme israelense de terror, volta com um roteiro mais enxuto e absorvente. Um pedófilo está torturando e matando menininhas em uma área rural da capital. Um suspeito é capturado por um policial e pelo pai de uma das vítimas, que o obrigarão a confessar usando métodos ainda mais bárbaros que os do assassino. Com montagem dinâmica e explosões sonoras que acentuam o clima de suspense, o filme é tenso do início ao fim, com algumas doses de humor negro para aliviar. Uma ótima surpresa, mas o final aberto e inconcluso pode desagradar alguns espectadores. * * * *

O TEOREMA ZERO - É uma decepção este novo trabalho do diretor Terry Gilliam, que volta a dirigir um filme de ficção científica após 18 anos (o último havia sido Os 12 macacos, de 1995). Se por um lado seu visual delirante continua enchendo os olhos da platéia, por outro, ele repete o erro cometido em O mundo imaginário do Dr. Parnassus (2009), seu último filme: as qualidades estéticas garantem o interesse de uma trama confusa e pouco envolvente. A premissa é um tanto presunçosa. No caso, o tal teorema zero é uma fórmula matemática que, se decifrada, pode revelar qual é o sentido da vida. Só que ninguém parece muito interessado em sua resolução, já que isso mal é citado na história, e nenhuma ação se desenvolve a partir daí. A rigor, apenas o cientista Qohen Leth (Christopher Waltz) se debruça para resolvê-la, a mando do Gerente, uma figura misteriosa e que nunca aparece (também mal explicado). Seu trabalho é constantemente interrompido pelas aparições de uma garota sexy que se diz interessada nele, um adolescente nerd que se dispõe a ajudá-lo e uma dupla de gêmeos que lhe faz ameaças gratuitas. Tudo e todos podem ser apenas um delírio de sua mente conturbada, inclusive o próprio universo futurista em que se desenrola a narrativa. O roteiro explica mal muita coisa e ainda perde tempo com algumas bobagens (como a pizza musical). Frustrante, mas o visual sempre espetacular que é a marca de Gilliam merece ser conferido. * *

O FUTURO - Após a morte dos pais, casal de irmãos acaba se envolvendo no crime meio sem querer. Rutger Hauer faz um ex-astro de fitas baratas de aventura dos anos 50 que vive recluso e vira o alvo da dupla. Rito de passagem filmado com competência, com uma elipse temporal logo no começo que já antecipa o destino dos personagens. Alguns espectadores saíram frustrados, mas eu gostei, talvez porque não esperasse mesmo muito mais. * * *

MANUSCRITOS NÃO QUEIMAM - O filme que eu ia ver foi cancelado, então atravessei a rua e encaixei este aqui. Só pelo histórico já merecia ser visto. O diretor Mohammad Rasoulof está proibido de filmar no país por 20 anos, mas não se rendeu ao regime e, na clandestinidade, realizou este thriller empolgante que toca em assuntos delicados e discute a ética em um país onde quase tudo é censurado. Só por isso já valeria a vista, mas o filme é mais que uma curiosidade. Um exercício de suspense diferente, sem trilha sonora e com ótima condução de atores. Ainda mais apavorante por ser baseado em um caso real. Seco e direto. Para garantir a segurança dos envolvidos, nem há créditos nem do elenco, nem da equipe técnica. * * * *

COMO NÃO PERDER ESSA MULHER - Joseph Gordon-Levitt estréia na direção com essa comédia romântica para homens, seguindo a linha de Judd Apatow, com sexo e muitos palavrões. Ele mesmo faz o protagonista, um viciado em se masturbar enquanto assiste a vídeos pornográficos na internet, que não consegue resolver o problema nem quando conhece Scarlett Johansson. O roteiro diverte no começo, com algumas sacadas criativas - a malhação feita no ritmo das orações, uma piada que certamente ofenderá os católicos - , mas cai bastante na segunda metade, sobretudo após a entrada em cena de Julianne Moore - não pela atriz, que é ótima, mas por sua personagem absurda, que leva a uma resolução ainda mais inconvincente. Na verdade, tanto ela quanto a personagem de Scarlett mais parecem a voz da consciência do protagonista do que mulheres reais. Dá para rir, mas no todo é fraco. Curiosidades: Cuba Gooding Jr. e Anne Hathaway fazem pontinhas não creditadas como o casal apaixonado de uma comédia romântica que Levitt e Scarlett vão assistir juntos; Itália Ricci, que interpreta a irmã muda do rapaz, sempre agarrada ao celular, e que tem uma única e decisiva fala no filme todo, apesar do sobrenome, não tem parentesco com Christina Ricci. * *

HALLEY - Não se trata do cometa. A história é sobre Beto, um zumbi que trabalha como recepcionista de uma academia. Cansado da "vida", resolve se matar de vez, mas para isso terá de esquecer o amor que sente por Sílvia, a dona do lugar. Parece engraçado, mas é apenas aborrecido. Filme lento, quase sem diálogos e a proposta do diretor nunca fica muito clara. Não se sabe se é comédia de horror, drama metafísico ou simplesmente um filme de terror metido a novidade. O clima de fantasia sugerido pelo roteiro não encontra apoio na realização excessivamente realista. Uma boa idéia mal desenvolvida. *

JOVEM E BELA - O tema da prostituição juvenil já foi explorado até o osso no cinema. Aqui, Ozon nada acrescenta de novo. Ele parece ter se inspirado em outro filme francês, Meus caros estudos, para contar a história de uma estudante (jovem e bela, como diz o título, mas magra demais) de família rica e que, mesmo assim, resolve fazer programas. Um dos filmes menos inspirados de um diretor sempre interessante. * *

BLUE JASMINE - O novo de Woody Allen acabou sendo a grande atração dessa primeira semana do festival, com todas as sessões lotadas. Cate Blanchett arrasa como uma socialite falida que se muda para São Francisco e precisa reencontrar seu lugar no mundo. Como sempre, há ótimos diálogos, uma narrativa ousada, com idas e vindas no tempo, e mais um excelente personagem feminino criado pelo diretor, que pode render a Cate seu primeiro Oscar na categoria principal (ela já tem um como coadjuvante). Parece até que o filme foi escrito para ela, em sua primeira parceria com o diretor, e a atriz corresponde com sobras, compondo uma ex-nova-rica que perdeu o glamour e agora tem de se virar para sobreviver e vai morar com a irmã, remediada (a inglesa Sally Hawkins), que chegou a ter muito dinheiro também, mas foi enganada pelo ex-marido da irmã. É melhor que Para Roma, com amor, mas inferior a Meia-noite em Paris. De todo o modo, um filme de Woody Allen é sempre superior a qualquer coisa lançada nos cinemas. * * *

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