quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Igualdade sem vibração

O mordomo da Casa Branca (2012)
Dentro de mais alguns dias conheceremos os indicados ao Globo de Ouro, premiação que antecede e antecipa os finalistas do Oscar de 2014. Pelo burburinho e pelos boatos que chegam de fora, imagina-se a presença de alguns títulos muito comentados, alguns ainda inéditos por aqui (A vida secreta de Walter Mitty, Balada de um homem comum, Álbum de família, 12 anos de escravidão), outros que já estão em cartaz (Capitão Phillips, Blue Jasmine). Dentre estes já lançados, O mordomo da Casa Branca é praticamente garantido na lista final de indicados, que ainda não se sabe quantos serão, já que a Academia mudou as regras e agora permite um número variável de finalistas, entre 5 e 10, um absurdo sem tamanho, que vai acabar refletindo a qualidade das produções realizadas naquele ano (quanto menos concorrentes, mais fraca terá sido a safra). Será que não percebem isso?

Lee Daniels assumiu para si a voz da causa negra norte-americana desde que Preciosa (2009) comoveu platéias do mundo inteiro. Embora menos combativo que Spike Lee, que foi, durante os anos 90, o arauto da luta pela igualdade civil entre negros e brancos. Não centra suas narrativas na questão, embora sempre a discuta de forma sutil, introduzindo elementos que a coloquem em discussão. Curiosamente, seus dois trabalhos mais recentes entraram em cartaz ao mesmo tempo na cidade: o ousado mas exagerado Obsessão e este O mordomo da Casa Branca. Em todos, de uma forma ou outra, há a preocupação de discutir aspectos relacionados à causa civil norte-americana. Ao passo que o outro Lee, Spike, era mais agressivo, sobretudo pela trinca de filmes que o tornou mais conhecido, Faça a coisa certa (89, pelo qual foi indicado ao Oscar), Mais e melhores blues (90, o menos conhecido) e Febre da selva (91), que  traçavam um interessante painel sobre a questão dos negros na América de então, cada um ressaltando um aspecto dessa luta.

O diretor Lee Daniels no Festival do Rio.
No presente caso, o diretor partiu do artigo "A butler well served by this election", assinado por Will Haygood e publicado no Washington Post em 2008 (disponível na internet) para criar o personagem de Cecil Gaines, inspirado em uma figura real, Eugene Allen, que trabalhou na Casa Branca por 34 anos e serviu a oito presidentes, de Eisenhower a Reagan. No filme, que troca algumas referências pessoais para melhor desenvolvimento dramático, Gaines nasceu em uma fazenda de algodão no sul do país, viu o pai ser morto pelo patrão branco e, adolescente, saiu em busca de emprego. Consegue ser admitido na residência oficial sem muito esforço e passa as quase quatro décadas seguintes participando, mesmo que indiretamente, da vida e dos bastidores do governo norte-americano. Paralelamente, acompanhamos as várias lutas travadas pelos negros ianques pelo reconhecimento de seus direitos e de sua cidadania, com diversos momentos emblemáticos, como o movimento Black Power e os Panteras Negras, culminando com a eleição de Barack Obama em 2008.

Oprah e Whitaker estão cotados para o Oscar.
Forest Whitaker concede dignidade a seu personagem, e está bem como sempre, mas pouco pode fazer diante de um roteiro engessado (de Danny Strong, premiado pela série Mad men), que transforma Gaines em mero espectador passivo das transformações sociopolíticas vivenciadas pelos americanos em mais de 30 anos de luta pelos direitos civis. Mesmo tão perto do poder, ele não se engaja, não toma partido, não opina - simplesmente assiste a tudo, como se não pertencesse àquele universo, e somente vem a tomar alguma consciência já quase no fim, depois que um de seus filhos ingressa nos Panteras Negras. Oprah Winfrey faz a companheira de Gaines, em atuação sem destaque, mas que chama a atenção simplesmente por ser quem é. Porém, é dela a cena mais forte do filme, durante um jantar de família, em que esbofeteia o filho rebelde. Ao menos mostra um mínimo de posição, toma partido, mostra o que pensa, ao contrário de Gaines, quase um boneco a interligar fatos e circunstâncias históricas.

O elenco tem outros nomes interessantes e curiosos pulverizados em pequenos papéis, como Robin Williams, John Cusack, James Mardsen, dando vida respectivamente a Eisenhower, Lyndon Johnson e JFK; Mariah Carey, em ponta muda (é a mãe de Gaines, que tem duas cenas e morre louca), Lenny Kravitz, Terrence Howard, Cuba Gooding Jr. recuperando a dignidade da carreira. Mas a ponta mais comentada é a de Jane Fonda como Nancy Reagan, praticamente um clone da ex-primeira dama. É uma aparição de apenas cinco minutos, mas todos se impressionam com a semelhança entre ambas.

O verdadeiro Cecil Gaines, ou melhor, Eugene Allen.
O filme vai muito bem de bilheteria lá fora e, mesmo tratando de um assunto essencialmente norte-americano, vem fazendo bonito também nas bilheterias daqui. Na sessão a que estive presente, o público aplaudiu no final da projeção, mostrando que o povo brasileiro se identifica com a causa e apóia os movimentos de igualdade racial. Ou seja, se emociona com a essência da história, mesmo que a frieza da narrativa seja um obstáculo a uma melhor fruição. Agora, é aguardar para ver se o sucesso irá se confirmar no Oscar.

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