quinta-feira, 10 de abril de 2014

Nas sombras de uma paixão

Precipícios d'alma (1952)
Geralmente associado ao gênero policial, o film noir também se prestou a embalar filmes de diversas origens, como este Precipícios d'alma, drama romântico concebido como um conto de suspense. Também pode ser entendido como uma piada sarcástica e irônica sobre o ofício de ator. O filme é praticamente desconhecido no Brasil, já que nunca foi lançado por aqui, nem comercialmente, nem em DVD – e nessas horas os detratores do compartilhamento de arquivos pela rede deveriam reconhecer o caráter de difusão cultural que tal atividade tão condenada adquire.

O título e o começo fazem supor que se trata de um estudo sobre paixões destrutivas, o que passa longe de ser. O experiente ator Lester Blaine faz um teste de elenco para a nova peça de uma famosa escritora, Myra Hudson, mas é descartado por ela sob a alegação de que não transmite o sentimento necessário, não passa a veracidade de emoções que a cena exige. Poucos dias depois, eles se encontram a bordo de um trem e Blaine resolve provar a Myra que pode ser romântico e que sua rejeição fora injusta. O envolvimento é tão intenso que se casam em pouco tempo. Mas tudo é parte de um elaborado plano de vingança arquitetado pelo ator, que tenciona matar a escritora e herdar todo o dinheiro que ela tem e acumulou ao longo dos anos. Para isso, contará com um pequeno auxílio de sua esposa verdadeira, que, por sua vez, arrasta a asa para o advogado de Myra, visando manipulá-lo.

Mais uma prova que o amor pode matar.
Temo ter revelado demais na sinopse. Mas, como convém a um bom film noir, a maneira de contar a história é mais importante e interessante que a história em si. Neste sentido, Precipícios d'alma segue fielmente a cartilha do gênero, abusando de contrastes fotográficos entre luz e sombra, claro e escuro, compondo o jogo de personalidades dos seus protagonistas e garantindo o interesse do espectador. Há pelo menos duas cenas muito interessantes. A primeira quando o casal está na casa de verão de Myra e desce a escadaria de pedra em direção à praia: não há corrimão e o próprio Blaine chama a atenção para o "risco de queda" que há ali, antecipando inconscientemente seu objetivo criminoso, o que também é valorizado pelo ângulo da câmera, por cima, aproximando o espectador da descida arriscada. A outra é quando Myra descobre, por meio de uma gravação, os intentos maléficos de seu marido e, em um delírio perspectivo, imagina as diversas maneiras com que Blaine pode matá-la. Também a perseguição final é empolgante, muito bem-filmada e tem um desfecho simbólico.

Ninguém controla a fúria de uma mulher enganada.
Joan Crawford já era uma estrela consagrada e imprime riqueza de detalhes à sua Myra Hudson, mas implico um pouco com a escolha de Jack Palance como contraponto romântico. Acho-o muito inadequado como galã, ele simplesmente não tem o porte exigido para o papel, com um rosto quadrado e anguloso. Deve ter sido imposição do estúdio, RKO, para promover o jovem ascendente – este foi seu terceiro trabalho no cinema e o primeiro como protagonista. O estúdio acertou em apostar nele, como comprovou sua longa carreira, marcada por heróis de ação e faroestes, ou seja, como galã não funcionava mesmo! Também o diretor, David Miller, acumulou mais de 50 créditos no ofício, mas sem nada muito importante, e certamente ficou marcado por este trabalho. Além deste, teve outro bom momento, com A teia de renda negra (1960).

Um filme a ser descoberto, com forte potencial cult, e que agrada tanto a apreciadores de um bom drama romântico quanto aos fãs do film noir. Procure conhecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário