quinta-feira, 3 de abril de 2014

Vingança gelada

Oldboy - Dias de vingança (2013)
Não sei se Oldboy já pode ser considerado um clássico. Mas é fato que marcou época, fez história e ainda revelou aos olhos ocidentais o diretor sul-coreano Park Chan-Wook, graças a engenhosa combinação entre violência gráfica habilmente coreografada e um roteiro instigante, que mantinha o suspense até a última cena. Portanto, o grande problema de refazer um filme desse é que parte considerável da platéia conhece a história, sabe o que vai acontecer, o que elimina praticamente toda a expectativa e diminui consideravelmente a experiência de quem assiste claro que as novas gerações podem se extasiar, e até se interessar em conhecer o original.

Desde que o filme original assombrou e surpreendeu o público em 2004, ficava-se imaginando quando Hollywood iria realizar sua própria versão. Demorou para que isso acontecesse e somente agora, dez anos depois, chega mais uma das inúmeras refilmagens descartáveis que entopem o cinema atual. Oldboy Dias de vingança confirma as piores previsões. Embora dirigido por um nome de peso como Spike Lee, falta tudo a essa história que, no original, se impôs como uma das mais requintadas tramas de vingança do cinema recente. Não tem charme, nem ritmo, muito menos consegue angariar a simpatia do espectador pelo protagonista.

Não sei se Lee era o homem certo para o projeto. Há anos ele não consegue emplacar nada de especial, parece ter esgotado sua verve criativa na sua "Trilogia do Racismo", formada por Faça a coisa certa (1989), Mais e melhores blues (1990) e Febre da selva (1991). Depois, passou a se repetir, sempre repisando o mesmo tema, com pequenas e infrutíferas variações - seu último grande trabalho, A hora do show (2000), é mal conhecido por aqui, também por nunca ter saído em DVD. Espremido pelas necessidades, acabou se bandeando para o cinema comercial, com O plano perfeito (2006), Milagre em Sant'Anna (2009), Verão em Red Hook (2012, ainda inédito aqui). Também voltou-se para a seara dos documentários, e prepara um sobre o Brasil, chamado Go, Brazil, go!, a ser lançado no ano que vem. Mas nada que o reconduza ao topo dos grandes diretores, coisa que ele nunca deixou de ser, só que parece não conseguir mais acertar em nada que faz.
"Meu prazer é a sua dor."

A história, todo mundo já sabe o que é. No dia do aniversário de 3 anos de sua filha, um sujeito é seqüestrado sem motivo aparente e passa 20 anos enclausurado em uma cela que simula um apartamento (aqui vira quarto de hotel). Pelo aparelho de TV instalado lá, fica sabendo da morte brutal da esposa e que sua filha virou uma virtuosa violinista, mas cresceu com ódio do pai, a quem culpa por tê-la abandonado. Ao ser libertado, ele parte para a vingança, sem medir esforços para chegar à verdade.

Embora o roteiro de Mark Protosevich (de A cela e Eu sou a lenda) siga quase fielmente o do filme original, Lee se permitiu algumas liberdades que, muito longe de se tornarem um diferencial a favor, servem para depor contra essa versão. A cena mais famosa de Oldboy, por exemplo quando o prisioneiro entra em um restaurante e engole um polvo vivo, tamanha sua "fome" de "destruir" um outro ser foi, de certa forma, substituída por uma matança em um campo universitário de rúgbi, em que ele trucida todos os jogadores, uma seqüência muito violenta e bem desagradável. Aliás, todo o filme envereda pelas piores escolhas, abrindo mão da poesia visual das cenas mais fortes e se rendendo ao nível mais rasteiro de tortura e sanguinolência tão em moda no cinema de ação norte-americano hodierno.

Também o final, de forte impacto na versão sul-coreana, ganhou um detalhe aqui, e longe de querer revelar alguma coisa, tornou-se mais palatável às platéias ianques. Outro equívoco do roteiro é mostrar o protagonista, Joe Doucett, como um sujeito desprezível, que não liga para o aniversário da filha, tenta seduzir a mulher de um negociante com quem vai fechar negócio, bebe e trata mal as pessoas, tudo isso com apenas cinco minutos de história. Ou seja, de cara já se criam suspeitos em potencial para a autoria do crime, talvez para deixar claro que ele é mau e merece ser castigado à altura, já que americano adora tudo explicadinho, coisa que não existe no original, em que o personagem é mostrado como um bobão inocente, aparentemente sem inimigos. Tudo errado.

Recuse imitações. Prefira sempre o original.
Nem o elenco melhora alguma coisa. Considerado um dos melhores intérpretes da atualidade, Josh Brolin passa o filme todo com a mesma expressão, pior ainda que não consegue despertar nenhuma simpatia do público (nem poderia, pelo histórico de cafajestadas que exibe no começo). Elizabeth Olsen sem muitas chances, Samuel L. Jackson faz praticamente uma ponta com direito a tortura no pescoço e o sul-africano Sharlito Copley (de Distrito 9) guarda o "grande" segredo da trama, também sem nada de especial.

Nem sempre o resultado financeiro de um filme atesta sua qualidade. Há ótimas fitas que o público simplesmente não compra, não descobre. Mas, neste caso, Oldboy Dias de vingança segue paralelo à idéia de que filme ruim não gera renda. Lançado em novembro nos cinemas norte-americanos, custou US$ 30 milhões e só rendeu US$ 2 milhões, ou seja, um fiasco épico, para fechar estúdio, e fosse outro o diretor já teria enterrado a carreira. Também foi considerada a pior adaptação norte-americana de um filme oriental por um site especializado. Eu já fui conferir de nariz torcido porque gosto muito do original e não podia esperar mesmo nada de bom. Então, nem posso dizer que me decepcionei. 

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