quinta-feira, 29 de maio de 2014

As figurinhas ausentes

Neymar, Fred, Messi, Cristiano Ronaldo, Balotelli, Rooney, Suárez, Ribéry, Ozil... A constelação de estrelas esperada para se apresentarem na Copa é de encher os olhos e fazer salivar qualquer fã de futebol. Poucas vezes o torneio reuniu tantos craques em sua plenitude técnica de uma só vez. Quando a bola rolar, cada um deles, a seu modo, irá escrever seu capítulo particular na história da competição e dentro de poucos anos será possível dizer que a Copa de 2014 foi desse ou daquele jogador.

Porém, há outro grupo de craques e grandes jogadores, igualmente extenso, que, ao contrário, nunca teve a chance de desfilar seu talento pelos gramados de uma Copa do Mundo. Suas fotos jamais ilustraram os álbuns de figurinhas, embora seus nomes e vários de seus feitos dentro das quatro linhas também fossem aplaudidos. Seja por serem oriundos de países sem tradição no futebol, seja por terem aparecido em um período ruim do esporte em sua terra natal, muitos desses jogadores acabaram entrando para a história pela porta dos fundos. Aquela destinada aos grandes nomes que não jogaram uma Copa. 

Weah: um craque à margem do Mundial.
GEORGE WEAH – Provavelmente o caso mais emblemático de como o futebol pode ser injusto com alguns grandes jogadores. Reconhecidamente um craque, ídolo do Milan, no qual brilhou por cinco temporadas, eleito melhor jogador do mundo pela Fifa em 1995 e maior nome da seleção de seu país. Mas, em um continente com tantas boas equipes, foi nascer justamente na Libéria, que é um zero à esquerda no futebol. Referência maior de um time fraquíssimo, encerrou a carreira sem o gosto de jogar um Mundial. Seu prestígio nacional era tão grande, porém, que chegou a ser candidato à presidência depois de pendurar as chuteiras, mas terminou derrotado nas urnas.

IAN RUSH – Outro que nasceu "do lado errado" da Grã-Bretanha, no País de Gales, o que o afastou de qualquer expectativa de disputar um Mundial e privou o resto do planeta de apreciar seu futebol refinado. Maior artilheiro de sua seleção, com 28 gols marcados em 78 partidas, fez grande carreira no Liverpool, pelo qual ganhou diversas vezes o título inglês. Teve ainda uma passagem discreta pelo Juventus, encerrando a carreira no obscuro Sydney Olympic, da Austrália. Sua triste relação com a Copa do Mundo está prestes a ser repetida por seu conterrâneo Gareth Bale, que arrebata a torcida do Real Madri mas dificilmente disputará um Mundial.

Best: o melhor britânico nunca foi a uma Copa.
GEORGE BEST – Eleito o melhor jogador britânico de todos os tempos, ídolo do Manchester United, pelo qual conquistou a Copa dos Campeões Europeus (atual Uefa Champions League) em 1968 e considerado um dos maiores gênios da bola de todos os tempos. Mas sua distância da Copa do Mundo terminou sendo tão grande quanto vitoriosa foi sua carreira. Jogou na época errada. Seu país, a Irlanda do Norte, disputou o Mundial de 1958, antes de ele iniciar carreira, e somente retornou em 1982, quando já estava velho e decadente, escondido no futebol norte-americano.

DELY VALDÉS – Bendito fruto de um país sem qualquer destaque no futebol, o Panamá. Considerado o melhor jogador da história do futebol local, alcançou relativo sucesso atuando na Europa, primeiro pelo Cagliari, depois pelo Paris Saint Germain, onde apareceu para o resto do mundo. Em 15 anos envergando o uniforme nacional, disputou todas as eliminatórias entre 1990 e 2005, tendo marcado 22 gols no período. É irmão gêmeo de Jorge Dely Valdés, cuja carreira foi menos vitoriosa. Teve o consolo de disputar a Copa da Concacaf já aos 38 anos, ao lado do irmão, a única competição importante de que participou.

LITMANEN – Outro "melhor jogador da história de seu país", no caso, a Finlândia, que jamais esteve perto de disputar um Mundial. Compensou a ausência nas Copas com uma carreira vitoriosa nos clubes, especialmente no Ajax, onde foi campeão europeu e mundial (em cima do Grêmio) em 1995. Escapou de ter se tornado um craque pouco visto porque naquela época tanto a internet quanto a TV a cabo já davam seus primeiros passos em nível global, o que permitiu que mais pessoas pudessem assistir a suas atuações.

Antes de Hakan Sukur, houve Tanju Colak.
TANJU COLAK – Fez história jogando pelo Galatasaray no final dos anos 80, clube pelo qual conquistou a cobiçada Chuteira de Ouro da revista France Football, em 1988. Atuou também pelo arquirrival Fenerbahce. Sem disputar as principais ligas européias, conseguiu a proeza de ter seu nome conhecido e badalado pela imprensa esportiva internacional. Mas a fama nunca serviu de chamariz para grandes centros e se limitou a seguir carreira apenas em seu país. Demorou quase duas décadas até que a Turquia reunisse uma geração talentosa, que disputou a Copa de 2002, quando chegou em quarto lugar e vendeu caro as duas derrotas para o Brasil naquele torneio. Mas aí já era tarde, Colak havia se aposentado.

MALDONADO – Hoje a Venezuela ensaia se classificar para sua primeira Copa, mas por anos foi o saco de pancadas do continente. Foi nesse cenário desolador que Maldonado despontou,  sendo considerado naquela época o melhor jogador de seu país. Ficou famoso ao marcar um gol contra o Brasil, na Copa América de 1989, o primeiro da Venezuela contra nós em jogos válidos por competições profissionais, e depois chegou a jogar pelo Fluminense. Nunca foi grande referência, mas deixou um nome de certa forma e só por ter se destacado em um futebol inexpressivo merece a lembrança.

Friedenreich, "El Tigre": fora da Copa de 1930.
CANTONA – O atacante francês era tão genial com a bola nos pés quanto foi azarado dentro dos gramados. Sua carreira na seleção francesa, entre 1987 e 1995, coincidiu com o período mais apagado dos Bleus: a França não conseguiu se classificar para as duas Copas disputadas no intervalo. De temperamento explosivo, abandonou a carreira com apenas 30 anos, depois de ser preterido da convocação do grupo que seria campeão mundial em 1998. Virou ator e já acumula 27 créditos, sendo que seu papel mais famoso foi em À procura de Eric (2009), de Ken Loach, em que interpreta a si próprio.

FRIEDENREICH – Tem figurinha brasileira neste álbum às avessas da Copa do Mundo. E carimbada. Arthur Friedenreich foi vítima da briga política que afastou todos os jogadores paulistas da Seleção Brasileira que disputou a Copa de 1930. Muitos historiadores e pesquisadores apontam o jogador como o maior artilheiro do futebol brasileiro, com mais de 1.200 gols assinalados, mas a conta é incerta por causa da falta de registros confiáveis. De todo o modo, foi um dos grandes artilheiros do nosso futebol. Mas nunca disputou uma Copa.

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