quinta-feira, 8 de maio de 2014

Mistérios rastejantes

Obaba (2005)
"Se há uma cidade da qual o mundo não sentirá a menor falta, esta cidade é Dogville." A última fala de Nicole Kidman na obra-prima Dogville, de Lars Von Trier, pode ser aplicada também a Obaba, vilarejo perdido nas montanhas ibéricas imaginado pelo escritor Bernardo Atxaga no livro Obabakoak (não lançado no Brasil) e levado às telas por Montxo Armendariz. No entanto, ao contrário da comunidade concebida por Von Trier, esta aqui não atrai o espectador, não apresenta sequer conflitos que justifiquem sua existência.

Filmes que se dividem em episódios normalmente são irregulares por natureza, mas Obaba se esmera na arte de enfileirar histórias e situações sem que haja qualquer sentido oculto no final das contas. Já começa enganando o espectador, que pensa estar diante de uma trama de suspense. Uma jovem conduz seu carro por uma estrada sinuosa, à noite, quando encontra um homem atravessando a pista com um lagarto na mão (!). Ela pergunta quanto falta para chegar a Obaba e recebe a estranha resposta: "87 curvas". Essa obsessão numérica tornada clara pelo informante - logo depois, a jovem confessa que tudo na cidade era medido por grandezas numerais, não por precisões referenciais, como duas quadras ou quatro ruas - aparece em outros momentos isolados do filme, sem, contudo, acrescentar nada de efetivo ao clima ou ao desenvolvimento, tanto da história, quanto dos personagens. Assim ela chega ao local e se hospeda no único hotel da cidade, administrado pelo mesmo homem que lhe fornecera a informação horas antes. A jovem está lá para finalizar um trabalho acadêmico da faculdade de Cinema, e, sem uma razão muito convincente, decide escavar o passado daquele lugar, ouvindo as histórias de vida dos poucos moradores que ainda restaram.

O roteiro vai, então, montando a narrativa em dois planos alternados. No principal, vemos flashes de diversos pequenos episódios envolvendo alguns antigos habitantes, todos centralizados de certa forma na figura da professora (Pilar López de Ayala), responsável por um escândalo na cidade, e cuja vida se entrelaça à de seus alunos, cada qual guardando um segredo que será devidamente explicado ao longo do filme. O plano secundário mostra o gradual envolvimento da estudante com os moradores restantes, que reconstroem o passado da cidade a partir de suas lembranças, que podem ser autênticas ou degradadas pela memória e até por motivos particulares. No processo, a jovem se sente indelevelmente atraída por Obaba, ainda que a cidade nada tenha de especial. O suspense não se instala e a trama caminha a passos trôpegos. 

Jogo do erro único: há algo perturbador nesta foto. 
Embora haja elementos suficientes para instigar o espectador, eles simplesmente não são bem desenvolvidos, gerando certa frustração. Por exemplo, se a finalidade dos muitos lagartos que rastejam pela cidade acaba sendo explicada nas entrelinhas, por outro lado, a obsessão do hoteleiro pelos répteis soa gratuita, sem uma motivação firme que a sustente. A imagem perturbadora que a estudante flagra na antiga foto do colégio pode denotar um fato cruel, defendido como lenda contada pelos mais antigos, ou ser apenas uma travessura sem maiores conseqüências. O espectador decide em que acreditar.

Obaba termina sendo um filme sobre nada. Poderia ter rendido uma história envolvente, um drama pontuado de mistério, mas se perde em uma narrativa lenta e desinteressante. Quem resolver embarcar na viagem feita pela heroína talvez descubra um universo tão poético quanto trágico. Não foi o meu caso. A elogiar, a beleza das locações e de Bárbara Lennie, que interpreta a jovem pesquisadora e foi indicada ao Goya de Atriz Estreante em 2006 (e esteve em A pele que habito, de Almodóvar). A produção ainda concorreu em outras 9 categorias, incluindo Filme, Diretor, Atriz Coadjuvante (Pilar) e Roteiro Adaptado, e ganhou o prêmio de Melhor Som.

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