quinta-feira, 1 de maio de 2014

Mito que se escreve com S

Senna (2010)
Quando esta coluna estiver indo ao ar, neste feriado de 1º de maio, o mundo estará celebrando os 20 anos da morte de Ayrton Senna. As devidas homenagens já terão sido feitas, por meio de eventos, reportagens especiais em veículos de comunicação e talvez se prolonguem até o próximo dia 11, data do GP da Espanha, no qual, imagina-se, a FIA prestará também sua lembrança à memória do piloto. Só fica faltando aquela que sempre foi esperada, mas nunca saiu do papel: uma cinebiografia sobre Senna.

De uns anos para cá, a Fórmula 1 vem experimentando um decréscimo de audiência e popularidade, sobretudo no Brasil, onde sempre teve boa acolhida (nos Estados Unidos nunca foi grande chamariz). Em parte pelo andamento pouco dinâmico das temporadas, quase sempre restritas a um único piloto, em parte pela sonolência das provas, com muitos competidores e raros momentos de emoção. Para nós, brasileiros, há ainda o agravante de praticamente não termos mais para quem torcer, já que as apostas nacionais após a morte de Senna se revelaram verdadeiros pneus furados. Rubens Barrichello passou a carreira toda à sombra de Schumacher, sem ousadia nem personalidade para peitar um tratamento igual. Felipe Massa prometia muito no começo, mas nunca estourou como se esperava, ao contrário, quase se estourou todo em um acidente, em 2009. A categoria também perdeu credibilidade por conta do famigerado "jogo de equipes", que determina a vitória ou ultrapassagem do piloto mais bem colocado na tabela de classificação - afinal, quem vai assistir a uma competição cujos resultados obedecem a interesses internos e podem ser manipulados? (E alguém imagina que Senna fosse se dobrar a um teatrinho desses?) Ou seja, é muita coisa contra.

Assim, as novas gerações que não vêem muita graça na categoria não fazem idéia do que era se postar diante da TV nas manhãs de domingo e vibrar a cada acelerada, a cada ultrapassagem feita por Ayrton Senna. Torcia-se de fato, não só pela vitória na corrida, mas pelo título, que ele conquistou de forma brilhante em três ocasiões (1988, 1990 e 1991). Admirado pelo arrojo com que dobrava cada curva, respeitado pelos demais pilotos pela liderança e profissionalismo, Senna pode ter sido o último verdadeiro grande herói das pistas. Por mais vitorioso que seja hoje, Sebastian Vettel praticamente não tem ou teve adversários, e qualquer embate dele com Lewis Hamilton, Fernando Alonso ou Jenson Button não é nada perto dos pegas promovidos entre Senna e Prost ou Senna e Mansell. Custa crer que até hoje sua carreira não tenha rendido sequer um curta-metragem documental aqui no Brasil, que confirma ser mesmo um país sem memória e que se esquece rápido de seus ídolos.

Imagem clássica: emoções dominicais. 
Como ninguém fazia nada por aqui, coube a um inglês preencher essa lacuna. Em 2010, Asif Kapadia levou às telas o documentário Senna, que fazia uma radiografia, ainda que algo morna, da carreira do piloto, com alguns detalhes preciosos, como uma seqüência de imagens gravadas de dentro do cockpit pouco antes do acidente que o matou, na hoje tristemente famosa curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália - por ironia do destino, a seqüência é interrompida segundos anteriores ao desastre. O filme acabou sendo tão vitorioso nas telas quanto Senna foi na pista, angariando 13 prêmios em festivais diversos. Os principais foram o Bafta de Documentário e Montagem, além do Prêmio da Audiência em Sundance, quando saiu aclamado pela crítica. Mas terminou injustamente esquecido tanto no Globo de Ouro quanto no Oscar, para os quais sequer foi indicado.

Um projeto de ficção sobre a vida e a carreira de Ayrton Senna chegou a ser cogitado logo após sua morte, e seria estrelado por Andy García no papel-título, contando ainda com Antonio Banderas no elenco, mas não seguiu adiante. Em seu próprio país Senna nunca foi personagem de produção alguma, fora as reportagens de televisão. Provavelmente por uma questão de direitos, rigidamente controlados por sua irmã Viviane, presidente do Instituto Ayrton Senna e responsável pela memória de tudo ligado ao piloto. Ou isso ou então foi por desinteresse mesmo. Prefere-se exaltar figuras da criminalidade, vigaristas, do que enaltecer quem de fato merece. Isto é Brasil!

O outro DVD sobre Senna. E só.
Senna chegou a ser lançado em várias edições em DVD. Uma simples, para locação, outras duplas, sendo que uma delas, especial para colecionadores, ainda trazia a miniatura da McLaren com a qual ele conquistou seus três títulos. Recentemente o filme foi relançado nas lojas com capa cinza (antes era amarela) mas em versão simples e trazendo um adesivo de brinde. Mas há ainda outra edição especial em Blu-Ray que também traz a miniatura.

Além deste, também é possível encontrar An official tribute to Senna, considerado o melhor documentário já feito sobre o piloto, trazendo, em dois discos, mais de três horas de informações e entrevistas com pessoas ligadas à carreira de Senna. E só. Materiais relacionados a ele, sobretudo livros, só podem ser encontrados no exterior, e mesmo assim, não são fáceis de achar, porque a maioria já se esgotou. Enquanto isso, na pátria que tanto se orgulhou em defender e representar, ao menos em termos de audiovisual, Senna recebe o mesmo tratamento que os pilotos da extinta Minardi mereciam nas provas que disputavam: insignificância total.

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