quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Especial - A cidade dos mistérios intermináveis - Parte I

Twin Peaks (1989)
A nota era breve, não mais que dez linhas, mas tive de lê-la várias vezes para ter certeza que era aquilo mesmo. O canal Showtime prepara o lançamento da terceira temporada de Twin Peaks para 2016. Serão nove episódios, com os roteiros ficando a cargo dos criadores da série, Mark Frost e David Lynch, cabendo a este último ainda a direção de todos eles. A grande pergunta que se impõe é: para quê?

Se você era muito criança, ou nem era nascido no final dos anos 80 / comecinho dos 90, provavelmente não faz idéia do faniquito que a nota acima provocou nos meios televisivos. Hoje nos acostumamos a celebrar a excelência de muitas séries de TV, que vêm se firmando como terreno de qualidade da produção audiovisual, sobretudo nos Estados Unidos, superando os produtos genéricos e imbecilizantes produzidos por Hollywood. Comentamos as tramas inteligentes e bem-boladas de Breaking bad, Mad men, The walking dead e um infinito de tantas outras. Há quem diga que a explosão do atual ótimo momento vivido pelas séries começou há cerca de de 20 anos, com o lançamento de Friends (1994) e se cristalizou com Lost (2004), cujo sucesso de ambas impulsionou produções semelhantes em termos de ousadia criativa e roteiros bem escritos. Pode ser, mas também não é exagero voltar um pouco mais no tempo e afirmar que tudo que está aí partiu de Twin Peaks. Foi o grande divisor de águas da televisão norte-americana. Foi o trampolim para outros saltadores desfilarem seu talento aos olhos da audiência e do público.

Pela estrada afora, eu vou bem sozinha...
A primeira distinção que se fez a Twin Peaks na época foi o nome por trás do projeto. David Lynch já era um cineasta consagrado quando resolveu criar esse lúgubre microcosmo de seu universo muito particular, povoado por personagens bizarros e situações esquisitas. Não era mais uma aposta, mais um novato se arriscando na condução de uma trama televisiva banal: era Lynch, diretor de cinema, indicado ao Oscar por O homem elefante, reconhecido por filmes como Veludo azul, o homem que ousou adaptar Duna para a tela grande. Hoje ninguém se espanta se vir o nome de Spielberg, ou Scorsese, ou Soderbergh nos créditos de direção de uma série, mas naquele tempo era novidade. Mais: uma mostra de como a televisão estava se engrandecendo, atraindo a atenção de pessoas ligadas ao cinema. A série estreou cercada de expectativa por conta disso, e a resposta do público foi a mais animadora possível, batendo recordes de audiência.

Catherine E. Coulson, a Mulher do Tronco.
A jovem estudante Laura Palmer é encontrada morta e ensacada à margem do rio que atravessa a cidade, fato que abala a aparente tranqüilidade do lugar. O FBI envia o investigador Dale Cooper para descobrir o que aconteceu, mas, à medida que ele vai se embrenhando no caso, descobre que todos os moradores de Twin Peaks guardam segredos sombrios, e que cada um deles tinha uma razão particular para matar a garota. A trama oferece um desfile de personagens antológicos, como a Mulher do Tronco, a Dama Tapa-Olho, o Homem-de-um-Braço-Só e muitos outros. O detetive também não fica atrás em matéria de esquisitice e gosta de gravar suas descobertas e impressões em um pequeno gravador, a que chama de Diane.

A estrada perdida no coração selvagem da América.
Um dos grandes acertos da série foi o elenco homogêneo. Lynch apostou em veteranos que andavam em baixa e, de certa forma, conseguiu pô-los novamente na vitrine: Richard Beymer (Amor, sublime amor), Russ Tamblyn (Sete noivas para sete irmãos), Piper Laurie (Desafio à corrupção) e mesmo Grace Zabriskie que, embora nova, já tinha créditos valiosos no currículo (Norma Rae). Aliados a eles, vinha a ala jovem, composta por novatos que aproveitaram a chance para fazerem a carreira deslanchar, como Lara Flynn Boyle (Equinox), Madchen Amick (Sonâmbulos e muitas outras séries), Sheryl Lee (está no recente Pássaro branco na nevasca). Também voltou a trabalhar com nomes já conhecidos de outros filmes seus, como Everett McGill, Jack Nance, e o destaque do elenco, Kyle MacLachlan, que faz o detetive, este egresso dos anteriores do diretor Duna e Veludo azul; logo depois fez The Doors, de Oliver Stone, e ainda estrelou produções de alguma importância (Os Flintstones, Efeito dominó, Timecode de Mike Figgis) e já está confirmado para repetir seu papel de maior sucesso na nova versão anunciada.
(Continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário