quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Respiração artificial

Apnéia (2014)
Desde que foi reaberto, em 2011, o pequeno e simpático Cine Jóia, em Copacabana, vem se firmando como uma das salas mais interessantes da cidade. Com programação alternativa, apresenta filmes normalmente desprezados pelo circuito, além de lançar títulos exclusivos e resgatar outros antigos, exibidos em Festivais do Rio de priscas eras (ou nem tanto). De uns tempos para cá, o horário também se tornou alternativo, com as sessões começando as 10h da manhã! Às quais devem atrair um público de aposentados ou de pessoas que, como eu, têm a sorte de poder trabalhar em casa e escolher seus horários de descanso sem prejuízo profissional.

E foi numa dessas sessões alternativas, não às 10h, mas às 12h10, que fui conferir Apnéia (o título oficial não tem o acento, já que o Acordinho mandou, tá mandado, mas comigo não!), drama dirigido por Maurício Eça, que já havia passado pelo mesmo Jóia pouco tempo antes e voltou depois à grade da sala outra característica do cinema, trazer de volta produções que foram pouco vistas num primeiro momento. Com apenas sete pessoas na sessão, sendo seis mulheres, foi mais fácil me concentrar na história, livre de conversinhas paralelas e, aleluia!, brilho de visores de celular.

O foco é Cris (Marisol Ribeiro), estudante de Artes Plásticas, que sofre de apnéia, a interrupção do fluxo respiratório durante o sono e que pode, evidentemente, levar à morte. Assim, passa o dia em estado constante de sonolência e se arrasta para as aulas. Pouco afeita à rotina acadêmica, Cris prefere se afundar nas inúmeras carreiras de cocaína que preenchem seu tempo. Num dos intervalos de aula, conhece Júlia (Thaila Ayala), da turma de Design. Tornam-se amigas inseparáveis e, juntas à Giovana (Marjorie Estiano), passam a freqüentar as baladas mais loucas de São Paulo, flertando com a alta prostituição, a ponto de serem confundidas com profissionais do ramo. Tudo é muito divertido, mas as meninas atingirão uma situação-limite da qual não é possível retornar.

Fumar, cheirar, comprar. Ê, vida boa!
Não há muita novidade no tratamento conferido ao tema. Em alguns momentos, cheguei a pensar que estava assistindo a um episódio da série O negócio tratando da adolescência das, hum, funcionárias da Oceano Azul. Há muita droga, muita bebida, muito consumo de tabaco praticamente todas as cenas têm um personagem fumando ou empunhando um cigarro. Naturalmente, também há nudez, discreta e pouco erótica. Curiosamente, o retrato mais eficiente é o da personagem Júlia: filha de um empresário riquíssimo, sempre ausente, que mora em um luxuoso apartamento na Zona Sul paulista, fica claro que se arrasta para aquele mundo de devassidão movida por seu vazio interior; parece ser o mal de gente rica que vive à toa. De Cris, só se sabe o que se vê. Ou seja, tanto pode ser uma patricinha desesperada por novas emoções ou por uma vida de risco quanto uma jovem inconseqüente querendo viver ao máximo.

O roteiro enreda as três protagonistas em uma espiral de tragédias que vão se sucedendo, tratando de temas caros ao universo feminino: traição amorosa, pais ausentes, construção de identidades sociais, gravidez indesejada. Tudo atinge um ápice dramático que, no entanto, é resolvido de forma reducionista e conservadora no final. A última cena, aliás, oferece uma ambigüidade interpretativa, embora os elementos visuais não deixem muita dúvida de que é aquilo mesmo. Ou será que não? No fim, a simbologia da apnéia para representar o universo e o trajeto da vida de Cris acaba se revelando muito acertada. Seu risco de morte não se restringe ao prolema durante o sono; sua vida inteira é uma interminável suspensão da normalidade.  

Confessa, nós somos de parar a respiração, né?
Marisol Ribeiro parece mesmo estar tão drogada quanto sua personagem, o que poderia ser um elogio, considerando o papel, mas não é. Sua atuação é acima do tom. Não dá para sentir pena da sua Cris, nem antipatia, nem nada é só uma jovem perdida sem rumo na vida. Thaila acompanha a colega, exagerada nas caras e bocas. Só Marjorie consegue imprimir um mínimo de normalidade à sua personagem, não por acaso, a única cujos problemas internos parecem não ser tão complicados.

Maurício Eça tem larga experiência em videoclipes, tendo dirigido cerca de 120 deles, o que o torna o recordista do formato no país, segundo a MTV. Por isso, muitas imagens de Apnéia guardam semelhanças com esta estética musical. Esta é sua estréia na condução de um longa-metragem; antes, havia assinado dois curtas e codirigido um documentário, Universo paralelo (2004), exibido no É Tudo Verdade.

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