quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Couvert da memória

A canção do almoço (2010)
Existem romances de 400, 500 páginas ao fim das quais o leitor se pergunta o que diabos leu ali e lamenta o tempo perdido. Não vou dar exemplos, há milhares deles nas prateleiras de qualquer livraria. Igualmente como há filmes de três horas de duração que falam sobre nada, frustrando o espectador e levando-o a refletir sobre o que poderia ter feito de útil durante aquele período em vez de ficar enfurnado numa sala escura.

A analogia é necessária para reforçar a qualidade de um filme pequeno, pouco conhecido, mas que está disponível na rede para quem tiver paciência de procurar e sorte de encontrar (quem não tiver nenhum dos dois pode conferir suas esporádicas exibições na TV a cabo). Em pouco mais de 40 minutos, A canção do almoço consegue dizer muito mais do que qualquer produto hollywoodiano pretensamente genial.

Concebido para a BBC inglesa, este média-metragem é baseado no poema narrativo The song of lunch, escrito por Christopher Reid em 2010. Às 12h de um dia qualquer de semana, o modesto revisor de uma editora pequena deixa seu escritório para ir almoçar. Não será um almoço qualquer: ele irá se encontrar com sua antiga paixão, a ex-mulher que se tornou uma bem-sucedida escritora, reconhecida nos meios literários e acadêmicos, seguindo caminho inverso ao dele mesmo, que alcançou relativo sucesso ao publicar um livro anos antes e implodiu.

Aquele encontro, bem como todo o ambiente que o envolve, está carregado de lembranças passadas, lembranças ainda muito nítidas na mente do revisor (os personagens não têm nome, nem precisam). Só que aquele mundo que ele traz na memória não existe mais. As ruas do SoHo por onde ele caminha não são as mesmas de antes. O próprio dono do seu restaurante preferido se aposentou, legando o negócio a seus filhos, e nem os garçons do local resistiram à passagem cruel do tempo. A decoração, o serviço... tudo está diferente. É outro mundo. É outra vida. Será ele a mesma pessoa? Não, ele também mudou... será que os sentimentos também mudaram?

A brevidade da história pode fazer com que o espectador menos atento deixe passar pequenos detalhes que enriquecem o roteiro e conferem um sabor especial à produção. Temas normalmente complexos, como a busca da eterna juventude, a soberba que faz recusar a aceitação de um fracasso, as diversas referências eróticas, como no momento em que o personagem do revisor bebe vinho, são apresentados de forma simples e direta. Alan Rickman e Emma Thompson encarnam os protagonistas, em atuações contidas e eficientes.

Agradável de ver, com um belo texto e dura tanto quanto um bom episódio de alguma série. Dispense os romanções verborrágicos e opte por este pequeno e recompensador volume.

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